segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Entrevista de Petras para Rádio Cx36 - Uruguai


O
COLETIVO MARXISTA transcreve o comentário do sociólogo norte americano James Petras para Rádio CX 36 no Uruguai. Petras falou de Nova York, na segunda, 3 de outubro de 2011. Parabenizamos o companheiro Petras e os companheiros da Rádio CX 36 pela entrevista.


"Wall Street é o símbolo e o conteúdo de tudo o que há de pior nos EUA"


Foto: Lúcia Guimaraes/AE

Chury (entrevistador da Radio CX36): Ouvintes, temos o prazer de estar com vocês ao microfone para dar boas vindas a James Petras, lá nos Estados Unidos. Petras, bom dia, como está você?


Petras:
Muito bem. O principal tema, obviamente, são os grandes protestos que estão ocorrendo contra Wall Street, na rua Wall Street, inclusive no que chamamos aqui de Parque da Liberdade, onde estão agrupados os acampados preparando- se para a continuação da luta.


Chury: Por sorte, Petras, que estás aqui para descrever tudo isto porque sabes que a grande mídia trata de suprimir a identidade de tudo. Abrimos para comentares tudo o que aconteceu e que está acontecendo.

Petras: Muito bem. Começamos pela importância que tem, porque já são duas semanas que os principais grupos e indivíduos estão acampados. Mas com o tempo está crescendo, a saltos, geometricamente. Começou com centenas que agora se multiplicaram por mil e talvez vá a mais, por muitas razões. Inicialmente, como explicamos esta explosão de protestos, de marchas, de atuações de civis contra Wall Street? Nos EUA cresceram muito as maiorias descontentes. As últimas enquetes, feitas há uma semana, mostram que mais de 80% da população está muito descontente com as condições econômicas e quase 90% está contra Wall Street e setores financeiros. Enormes maiorias que, até agora, eram silenciosas ou simplesmente muito frustradas. E, de repente algumas pessoas, e digo isto porque não há nenhuma organização que esteja montando este protesto; só existem pequenos núcleos de pessoas que começaram este acampamento de protesto, a três quadras de Wall Street. Num primeiro momento alguns trataram de marchar até Wall Street para enfrentar os especuladores. No momento que saem do Parque da Liberdade, a polícia começa a reprimir, batendo e aprisionando. Isto provoca a ira de muitos cidadãos de Nova York e chama a atenção. E a partir de uma semana e meia começam a se multiplicar os participantes. Neste processo, os sindicatos da cidade de Nova York, o de transporte, professores, empregados públicos, toda a direção sindical da cidade de Nova York, começam a apoiar o protesto. A partir disto, se multiplicou em milhares de participantes, numa marcha atravessando a ponte de Brooklin. Esta ponte liga a Manhattan e é uma ponte muito importante. Mas a polícia atacou e prendeu mais de 700 participantes pacíficos. Isto teve um efeito incendiário porque todos os principais sindicatos nacionais começaram a tomar posições em favor da denúncia de Wall Street. E agora muitas personlidades como autores, atores de Hollywood, intelectuais e os principais chefes das confederações sindicais se pronunciaram. Isto originou outro efeito, principalmente a extensão do protesto a outras cidades como São Francisco, Los Angeles e Boston que tiveram seus próprios protestos contra o capital financeiro. Obviamente não há Wall Street em todas as cidades, mas elas têm seus centros financeiros que são o alvo destes protestos.

Agora, como explicamos tudo isto? Wall Street, o nome, é o símbolo o conteúdo de tudo que há de pior nos EUA. É uma representação do que é a financeirização da economia, onde os recursos estatais e as inversões são controladas pelo capital financeiro que está destruindo indústrias, empregos, mudando o caráter da economia, prejudicando muitos setores produtivos. Em segundo lugar, Wall Street representa as grandes desigualdades no país. Em Nova York - em particular em Manhattan -1% da população controla os 60% da riqueza.

Quer dizer, as desigualdades em Manhattan são piores que na Guatemala, são piores que no Brasil, são piores que em todos os países do mundo ocidental norte e sul. É essa a outra razão por que há esta raiva contra Wall Street. Também Wall Street é a fonte da corrupção porque a partir de sua influência e financiamento das campanhas políticas, conseguiram enormes concessões e subvenções do governo. Inclusive em Nova York as empresas financeiras atuam para conseguir exonerações dos impostos. Ameaçam a cidade de que se não recebem isenções vão cruzar as fronteiras da cidade e do estado para ir para o outro lado. Então os governantes competem para dar concessões ao setor financeiro para que fiquem em Manhattan. As isenções para financeiras não existem para os donos de casa, para os proprietários de carro. Estes estão sobrecarregados para compensar as perdas fiscais que se originam das isenções às grandes financeiras.

Existem outras coisas. Por exemplo, o setor financeiro está muito influente porque comprou ações de empresas farmacêuticas, e a notícia que hoje descobrimos é que as empresas farmacêuticas não estão produzindo medicamentos de grande necessidade porque os preços são controlados, o que limita as taxas de lucro. Nos principais hospitais de Nova York, Boston e de outras cidades, há um racionamento de medicamentos por falta de oferta suficiente para demanda. Então, se alguém tem pressão alta e vai para o hospital, vai ser avaliado se é pior ou menos, e então você não receberá comprimidos porque eles lhe dizem que há escassez.

E o que isto tem a ver com Wall Street? Porque em Wall Street as empresas financeiras são os principais investidores e são eles que avaliam a política de preços ou política de investimento. E se calculam que a taxa de lucro não esta adequada, deixam de produzir o medicamento. É por isso que em muitos lugares nos EUA os pacientes não vão receber medicamentos essenciais para a sobrevivência de doenças. E essa é outra razão, além de todas as pessoas que estão perdendo suas casas, porque não podem pagar o preço das hipotecas. Todos os protestos contra Wall Street têm atraído todos os setores da população, menos o setor financeiro. Ninguém gosta dos bancos porque o setor financeiro está em todas as atividades políticas do Estado, de habitação, política farmacêutica, política de previdência.

Por esta razão, é um ponto de atração para todo o povo com raiva contra o que está acontecendo nos EUA. Todos os males estão vinculados aos setores financeiros. E por que saem para rua? Porque os setores financeiros dão dinheiro para ambos partidos: republicanos e democratas. Ambos partidos, o presidente democrata Obama ou os republicanos estão comprados. Então o povo não tem outra opção senão a de ir para a rua e, por essa razão, pela primeira vez em muitos anos, os sindicatos, os seus membros e os manifestantes contra Wall Street vão se unir em uma grande marcha na quarta-feira (05/10/2011).

Esta marcha não é radical, é pacífica, ninguém fala em tomar a Bolsa, mas é uma demonstração de força e de rejeição a Wall Street, o que é muito importante. E não é só isso: está impactando todo o país, embora os meios de comunicação aqui, como em outras partes, tratem de minimizar o acúmulo de forças. Eles não fazem muitas reportagens, muita publicidade. Alguns noticiários, na sua maioria, não têm falado nada do que está acontecendo. Na quarta-feira, há uma chamada para marchar até Wall Street. Agora, não é nada. Inclusive a poucos quarteirões da principal emissora do EUA, CNN, pode-se ver os manifestantes, mas não se permitiu aos jornalistas fazer reportagens porque a partir das reportagens podem aumentar os participantes, então há uma censura da imprensa. Isso não ocorre em todos os meios de comunicação, porque há pressões até mesmo entre jornalistas e alguns já foram agredidos pela polícia, e então sentem necessidade de escrever sobre o tema.

Chury: Há uma dependência dos republicanos, os democratas e Obama com Wall Street.

Petras: Sim, há um mês Obama estava em Wall Street arrecadando dinheiro para a sua campanha de reeleição. Os republicanos há muitos anos estão bem vinculados a Wall Street. Mas os principais financistas apoiam ambos partidos e vão canalizando dinheiro para o candidato do partido que vai ganhar a eleição. Como eles reconhecem, ambos partidos são favoráveis a Wall Street. Por esta razão, as pessoas tinham de armar acampamentos, por essa razão tinham que marchar. Inclusive a burocracia sindical sente a pressão das bases. Os sindicatos deram tanto dinheiro para Obama e só recebem patadas na bunda. Então, a burocracia sindical está apoiando estas marchas, não por princípios, mas para mostrar a Obama que representam uma força e podem ser úteis, que podem desviar os protestos só contra os republicanos ligando-os a Wall Street. Mas nós sabemos que durante a última campanha eleitoral, Obama recebeu mais dinheiro de Wall Street do que os republicanos.

Existe um dilema para os sindicatos, para a burocracia sindical. Por um lado, sentem a pressão para apoiar protestos contra Wall Street e por outro lado, continuam apoiando politicamente os democratas. É um jogo duplo, mas as bases sindicais sentem muita raiva de toda esta politicagem. A classe política aqui nos EUA está muito desacreditada, segundo as pesquisas. Apenas os financistas são mais desprestigiados. E, como já mencionei, 80% do povo não se sentem representado no Congresso agora e os banqueiros têm apenas 10% de aprovação por sua conduta.


Chury: Petras, para completar este comentário, algo que você adiantou foi confirmado pelos fatos. Um olhar atento para a Venezuela, talvez, com uma dupla atenção após a doença contraída pelo presidente Chávez. Finalmente a oposição com a anuência dos norte americanos parece estar criando um candidato único de oposição a Chávez nas eleições. Como você está vendo esta situação?

Petras: Bem, temos com a palavra oficial várias agências governamentais dos EUA, a agência que chamam de Desenvolvimento Iternacional, AID, está canalizando, pelo menos 50 milhões para projetos na Venezuela. Curiosamente todos os "projetos" que recebem financiamento, são controlados pela oposição. "Projetos" são simplesmente uma fachada para fazer oposição política. A oposição na Venezuela é totalmente dependente de financiamento de agências governamentais dos EUA, principalmente do Departamento de Estado. Isto é público, não é nada escondido, não há nenhuma conspiração. E são financiamentos que passam do governo norte americano para estas ONGs, que na realidade são um braço da oposição ao presidente Chávez. Isto é ilegal nos Estados Unidos. Qualquer organização que recebe um financiamento de um governo estrangeiro tem que se declarar como agente do governo externo e se registrar como agente. Mas na Venezuela o governo ainda não tomou medidas para registar e estabelecer uma política de controle sobre estes canais de financiamento, de intervenção política. E é algo que temos de levar em conta. Mas é só isso o que poderíamos: ler documentos do governo. Existem outros canais, clandestinos, da CIA, que, obviamente, atuaram no passado e vão atuar na atualidade e no futuro, que vão financiar a desestabilização do governo, fazer propaganda em jornais de oposição. E essa atividade clandestina é perigosa porque, no passado, usava grupos paramilitares, deliquentes colmbianos e venezuelanos para tentar derrubar o governo. O governo tem de usar mão dura para proteger a democracia contra estes elementos.


Chury: Em relação à política do governo Chávez como atenção ao que aconteceu com outros países, como a Líbia, no sentido de que teve de reforçar as suas defesas, que teve que tentar recuperar capitais que tinha no exterior. Isto é considerado, em função do que vem acontecendo em outros lugares?

Petras: Sim, há cinco anos , quando estive com o presidente Chávez, falei sobre isso e disse que é perigoso manter as reservas em bancos dos EUA e na Inglaterra, porque o perigo é que, em um momento de conflito, eles podem congelar e até mesmo se apropriar do dinheiro. A medidas recentes do presidente Chávez, de retirar as suas reservas e guardá–las em bancos na Venezuela não é apenas inteligente, mas uma obrigação. Uma das medidas utilizadas pelo EUA são as pressões para prejudicar a economia, prejudicar o povo e a partir daí colher o descontentamento. Poderíamos dizer que as ações de Chávez são uma indicação de uma melhoria da política e um reconhecimento de que eles enfrentam um inimigo intransigente que não respeita nenhuma norma democrática. Inclusive, na semana passada, houve o assassinato do pregador muçulmano, o Sr. Al-Awlaki, no Iêmen, um ideólogo fundamentalista.

O senhor Obama justificou o assassinato com um míssil e, sem qualquer julgamento, dizendo que era um grande perigo para a segurança dos EUA. Nem permitiu ao acusado responder em um processo judicial. Foi uma espécie de assassinato por esquadrões da morte e isto é violação do direito internacional usando o assassinato para eliminar um crítico do EUA.

Quando se leem os documentos que foram publicados, dizem que o Sr. Al-Awlaki era suspeito. Suspeito de quê? De ser uma "inspiração espiritual" de vários terroristas. Mas o que significa influência espiritual, como você entende isso? Se são leitores de Tarot, da bola de cristal para saber como alguém influencia espiritualmente. Porque não tem nenhuma prova material de que o pregador Al-Awlaki está envolvido em qualquer ato terrorista. Dizem, inclusive, que era um dos mais perigosos, mas ele não influenciou em nenhuma parte da primavera árabe. Não tinha grande influência no Iêmen, sua organização era minoritária nas grandes mobilizações. Então exageram sua influência, exageram seu papel e, simplesmente, matam o pregador que era cidadão com dupla nacionalidade. Não era somente do Iêmen, mas era um cidadão dos EUA, residente e nascido nos EUA. Então se o Sr. Obama pode assassinar um indivíduo porque ele é crítico da política norte americana, pode fazer em qualquer lugar e justificar publicamente, o assassinato sem julgamento, sem direito constitucional, que é a atuação de um capo da máfia.



Chury: Estamos no final, eu te agradeço muito os esclarecimentos, particularmente sobre o que está acontecendo nos EUA ,que é difícil para acessar porque as cadeias internacionais e nossos jornais e nossas redes de televisão, que refletem precisamente o pensamento do governo dos EUA e nos mantêm à margem do que é a informação, do que está acontecendo nos EUA e que tu deixaste claro nesta nossa conversa. Nós te mandamos um abraço.

Petras: Um abraço. Espero que a rádio Centenário registre a quarta-feira (05/10/2011) e faça alguma reportagem sobre a participação das massas populares neste grande protesto contra Wall Street e contra o sistema capitalista, porque Wall Street não é simplesmente o nome de uma rua, muito menos, simplesmente, a Bolsa. Wall Street, nos EUA ,e na cabeça do povo, significa o capitalismo. E esta é a primeira marcha anti-capitalista desde os anos 1960 nos EUA.


Chury: Não há dúvida que, inclusive, seguramente vamos estar conversando contigo, Petras. Te mando um abraço.

Petras:. Um abraço, tchau.

Fotos: Lúcia Guimarães/AE

Nenhum comentário: