quinta-feira, 2 de abril de 2009

Análise da crise numa perspectiva marxista

Não pretendemos, aqui, apresentar uma análise descritiva ou academicista da crise econômica mundial mas sim realizar uma análise concreta de uma realidade concreta objetivando a elaboração de uma tática conseqüente para nossa atuação como militantes comunistas.

Pautados pelo marxismo, identificaremos as causas da crise nas contradições inerentes ao sistema capitalista, criticando “achismos”, posições sem sustentação científica, que acenam com a possibilidade idealista de recuperação dos salários e/ou do Estado de Bem Estar Social dentro do sistema capitalista, omitindo, intencionalmente, a necessária superação do sistema capitalista para que não avancemos celeremente para uma barbárie tecnológica.

A avalanche de informações diárias, números, indicadores, curvas em V, L, U e notícias do mercado financeiro mostram que não há perspectiva de uma recuperação, a curto prazo, do mercado acionário mundial. A cada dia surgem novos bancos insolventes que precisam ser resgatados por seus governos, carteiras dos mais cautelosos fundos norte-americanos mútuos e de varejo que perdem 50% do valor em número significativo (1) e economias emergentes prestes a disseminar contágios negativos (2).

“Vivemos o fim de uma época onde todos os falsos ídolos do capitalismo ruíram” (3). Assistimos o colapso financeiro dos EUA, do sistema financeiro mundial, ausência de crédito suficiente e falta de financiamento para investimentos. O maior declínio do comércio na recente história mundial ocorre enquanto se observa que todos os pressupostos de auto-regulação e estabilização dos mercados são comprovadamente falsos e ultrapassados (3), (4).

Resgatemos os acontecimentos; a crise, que começa no mercado imobiliário norte-americano, se expressa no sistema financeiro e acaba por se espalhar para todos os setores da economia. Fato reconhecido oficialmente por diferentes figuras públicas do governo norte-americano, como por exemplo, Christina Romer, ex-Chefe do Conselho de Consultores Econômicos da Casa Branca, na sexta-feira 30/01/2009, data em que o Departamento do Comércio informou que o PIB americano caiu 3,8% no trimestre passado, pior desempenho trimestral desde o período de janeiro a março de 1982, quando o país estava em recessão.

O “crash” econômico é reconhecido nos círculos oficiais, mesmo nos mais conservadores e são recomendadas soluções que desmentem o mito neoliberal da auto-regulação pela “mão invisível” do mercado. A intervenção estatal torna-se mais clara, evidenciando sua função de gestor dos negócios da burguesia através da utilização massiva dos recursos públicos para socorrer o grande capital.

A resposta oficial? Diferentes pacotes econômicos são aprovados, primeiro para ajudar os bancos com balanços comprometidos, logo expandidos para bancos mais saudáveis, empresas ligadas ao crédito ao consumidor e montadoras do país.

A Bolsa de Nova York recua ao nível de 12 anos; a de Tóquio, ao de 26 anos; e, ao final de 2008, a taxa de desemprego é de 7,2%, pior nível desde 1993, com 2,6 milhões de desempregados nos EUA. Este é o maior número de desempregados desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945 (2).

Um novo pacote, de US$ 819 bilhões, é anunciado nos EUA e será usado, segundo o presidente Obama, para obras de infraestrutura e geração de cerca de três milhões de empregos. Há, ainda, a sua promessa de mais um pacote de auxílio para a indústria automotiva, já que o número de carros vendidos nos EUA caiu de um patamar de 40 milhões de unidades/ano para aproximadamente 9 milhões/ano e já que “o modelo atual não se sustenta” (palavras do Presidente Obama). Para Krugman, economista não marxista, o presidente Obama pratica a política financeira do desespero e Tim Geithner, seu secretário do Tesouro, apenas recicla a política do governo Bush (5).

"O perigo está em muitas frentes”, diz Kenneth S. Rogoff, ex-economista-chefe do FMI. "Há um efeito dominó", e as grandes economias européias já estão em recessão, e muitos de seus grandes bancos cortaram o crédito. "Mercados de crédito internacionais estão conectados, e uma crise de crédito crescente na Europa Oriental e nos países bálticos pode fazer com que títulos da Prefeitura de Nova York desabem”(6).

A verdade é que, após a queda do muro de Berlim em 1989, os países da Europa Oriental emergiram como importantes aliados dos EUA. Ao abraçarem o capitalismo ocidental, tomaram enormes empréstimos dos bancos da Europa Ocidental para financiar sua ascensão. Ex-satélites soviéticos como Polônia e Hungria, que se tornaram importantes mercados da Europa, estão, agora, perto de entrar em colapso.

Para a Europa Central e Oriental, o vencimento da conta dos empréstimos acompanha o momento em que o fluxo de crédito vai secando e a média de crescimento entre os países da região recuou para 3,2% no ano passado, vindo de 5,4% em 2007. No último verão europeu (2008-2009), a moeda polonesa se desvalorizou 48% em relação ao euro; a da Hungria caiu 30%; e a da República Tcheca, 21%. Neste cenário, a coalizão governista na Letônia tornou-se o segundo governo europeu, depois da Islândia, a colapsar e mais uma vez a crise faz suas vítimas preferenciais: milhares de trabalhadores assistem os governos cortarem gastos e reduzir serviços públicos.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que aproximadamente 51 milhões de empregos podem desaparecer, significando que 230 milhões de pessoas em todo o mundo podem ficar desempregadas. Tal cenário afunda milhões de trabalhadores na pobreza e exacerba o nacionalismo e o racismo contra imigrantes que buscam fugir da miséria procurando trabalho em outros países (6).

O relato acima, embora parcial, mostra a dimensão da crise e suas manifestações e coloca a descoberto as contradições inerentes ao sistema capitalista. Coloca a descoberto o que foi explicado por Marx, no século XIX; que o sistema do capital se articula numa rede de contradições que são apenas medianamente administráveis em intervalos diferenciados e que a crise nada mais é que um colapso, com intensidade variada, dos seus princípios básicos de funcionamento, estruturados em contradições insuperáveis.

Contradições estas que originam uma instabilidade permanente, a despeito dos ajustes pontuais e temporários. Cabe, portanto concluir, que a aplicação de uso de técnicas neokeynesianas de retomada do crescimento apenas terão efeitos positivos muito restritos e especialmente limitados no tempo.

A sobrevida do capital, proporcionada pelos 25 anos de políticas neoliberais, é um exemplo claro desta afirmação. As políticas neoliberais aumentaram a concentração da riqueza em valores absolutos e relativos e, quando o resto do mundo se torna mais pobre e não pode comprar o que foi produzido, o dinheiro fictício é potencializado e necessário para aumentar a produção, gerando a crise que hoje nos deparamos.

Mais uma vez, como explicou Marx, (e repetimos, no século XIX), o crédito é um meio que o capital dispõe para alargar o mercado além dos seus limites.

As características definidoras da crise atual, apontadas em 1998 por Mézáros, são: cumulativa, endêmica, mais ou menos permanente e crônica, o que impossibilita vislumbrar-se para o futuro a retomada de um desenvolvimento saudável e sustentado do capitalismo (7).

E mesmo que, como apontam alguns defensores do sistema, uma possível retomada do crescimento passe por alternativas como o BrIC, o fracasso do reticente keynesianismo ocidental é um fato dado que se somará ao eclipse da hegemonia norteamericana. Cenário que aponta para uma possível fragmentação da economia global “em estruturas hegemônicas regionais que poderão terminar disputando ferozmente entre si com a mesma facilidade com que colaboram na miserável questão de arcar com os estropícios de uma depressão duradoura” (8).

O capitalismo segue o curso previsto por Marx; diminuição tendencial dos lucros, queda de salário e miserabilização das massas, impedindo a redistribuição e o crescimento econômico. São necessárias soluções não banais e paliativas e, parafraseando D.Harvey; “é preciso resgatar o capitalismo dos capitalistas. Apresentar sua falsa ideologia neoliberal e todas as suas tensões e contradições internas, já insustentáveis, que elas sejam desmascaradas” para que, como disse Marx, “o capitalismo desapareça e se abra caminho para algum modo de produzir alternativo e mais racional”.

O Brasil certamente não passará e já não passa ao largo da crise. Sabemos que basta conhecer as regras básicas de funcionamento do sistema capitalista para referendar tal afirmação. Então, só podemos entender as inúmeras declarações mentirosas do Presidente Luis Inácio Lula da Silva como um bem pensado e irresponsável apelo populista, típico de um perfil bonapartista.

O Rio de Janeiro já apresenta índices de 19% de desemprego, a Embraer luta na justiça para manter a demissão massiva de seus funcionários, as universidades particulares estão deficitárias e o BNDES é acionado para socorro, cortes de verbas no orçamento de 2009, e a classe trabalhadora é “aconselhada” pelo presidente ex-sindicalista a não exigir aumento de salários!

A crise não é uma marolinha, a crise não tem olhos azuis e cor branca e não depende do bom ou do mau governante.

O leão come carne porque é carnívoro, já nos ensinava Marx e o capitalismo não é invenção das mentes malvadas de homens brancos de olhos azuis, como quer fazer parecer nosso astuto e performático presidente para tentar defender o indefensável. O capitalismo é sim um modo de produção que tem leis de funcionamento próprias, que independem da etnia e da bondade de cada governante.

Triste fim para o Governo Lula, para o PT e seus eixos de sustentação, a CUT no meio da classe trabalhadora e UNE, no meio estudantil: cunha de sustentação do capitalismo na América Latina!

Alguém ainda duvida disto? Basta olhar as declarações do presidente nos jornais burgueses de grande circulação.

Explicar a crise pela falta de regulamentação financeira, gestões irresponsáveis, imoralidade da bolsa, é refletir dentro de uma ótica que desvia e impede que se aponte e se questione a lógica do sistema capitalista. Questioná-la é não remetê-la para os malvados homens de cor branca e olhos azuis, mas é, mais uma vez, redescobrir a lei geral de acumulação capitalista e sua tendência histórica descoberta por Marx: “O monopólio exercido pelo capital se converte em trava do modo de produção que floresceu com ele e abaixo dele. A concentração dos meios de produção e a socialização do trabalho alcançam um ponto em que são incompatíveis a estreiteza capitalista”(9).

Nós, marxistas, trabalhamos sempre com este pressuposto e também nunca esquecemos que a economia não é independente da política. E assim, a política econômica adotada pelo Estado carrega sempre uma opção de classe (política e ideológica) e que dentro do sistema capitalista, esta opção não é pela classe trabalhadora.

Que fique então bem claro: lutar de forma conseqüente pela defesa da classe trabalhadora, especialmente em períodos de crise, é lutar contra políticas que visam preservar a manutenção das taxas de lucros, sempre às custas da classe trabalhadora.

Desta forma, se quisermos ser conseqüentes, inevitavelmente, entraremos em contradição com a lógica do sistema econômico-político vigente, o que nos desautoriza a trabalhar com a ótica das conciliações de classe, nacionalismos e toda a sorte de oportunismos políticos que, de forma clara ou com subterfúgios, minimizam estas contradições.

Contradições estas que, repetimos, são agudizadas em momentos de crise e que, se acobertadas, nos igualam com seus defensores e contribuem, mais uma vez, para atrasar a construção da necessária independência política e ideológica da classe trabalhadora brasileira.

Ignorar a contradição viva e sempre presente entre trabalho assalariado e o capital é defender o capital, reforçar a ideologia dominante e abandonar a radicalidade necessária para agudização da luta da classes em períodos de crise.

Retiremos então da avaliação da crise o que mais interessa a um militante comunista: as reflexões necessárias para elaboração de uma tática conseqüente num momento de agudização da exploração da classe trabalhadora sem esquecer das especificidades da luta de classes no Brasil. Assim, construir táticas que joguem para as calendas nossa estratégia (construção da necessária independência político-ideológica da classe trabalhadora brasileira) é, de forma inconseqüente, atrasar sua organização.

Se acreditássemos na possibilidade de reforma do sistema capitalista, certamente adotaríamos posições social-democratas e lutaríamos por toda a sorte de reformas, adotando o método metafísico de esquecer o todo, isolar as partes e retirar pontos positivos e negativos de cada situação isolada.

Se acreditássemos que a crise do capitalismo é uma crise final e definitiva, que as condições objetivas de derrubada do sistema se apresentam “naturalmente”, apostaríamos unilateralmente na construção de mobilizações “permanentes” de propaganda e agitações esvaziadas, ignorando o conteúdo político necessário para onerar o capital, impor-lhe derrotas objetivas e, dialeticamente, avançar substancialmente no nível de consciência das massas trabalhadoras.

Mas, se somos marxistas e aprendemos com os inúmeros exemplos que a história tem, incansavelmente, nos apresentado sabemos que embora o imperialismo seja um capitalismo parasitário em decomposição, ele não se perece nem é derrotado automaticamente. E assim precisamos apostar na intervenção de uma ação revolucionária para sua superação. É preciso ter presente que é no campo da luta de classes, com mudanças nas correlações das forças que podemos superar e derrotar o capitalismo.

Para os marxistas, o capitalismo se derruba quando a crise geral de acumulação aparece como tela de fundo, mas existindo as condições objetivas e subjetivas necessárias para ação de um movimento operário revolucionário, sem o qual não se rompem as amarras do capital, sua superestrutura política, jurídica e ideológica, enfim o Estado capitalista. É esta posição que defendemos, coerente com todos os princípios Marxistas.

E, estamos certos, que as querelas historicamente repetidas, que em última análise se apóiam em posições economicistas e, portanto, reformistas, retiram de pauta a nossa urgente tarefa de construir organizações independentes política e ideologicamente para a classe trabalhadora brasileira.

Neste sentido, mais uma vez vimos a público denunciar o erro de lutas em suposta defesa da classe trabalhadora pautadas em eixos rebaixados e que não identificam claramente o papel político do governo Lula, do PT e de seus órgãos de sustentação como a CUT e a UNE.

Construiremos lutas com a necessária radicalização submetendo-nos à pauta política da CTB, CUT e da FS?

Não! É o que nos responde uma simples análise da nossa história recente, referendada no atraso da construção da CONLUTE, agora já pautada em outros marcos; e nos eixos rebaixados e conciliadores aprovados no primeiro congresso da CONLUTAS. Sem esquecer, é claro, que há muito estas “unidades” exigiram que abríssemos mão da histórica data do dia do Trabalhador e da construção de um Primeiro de Maio classista.

O Coletivo Marxista mais uma vez ratifica aqui sua posição histórica: não a unidades rebaixadas, não à plataforma de lutas que escamoteiam o papel político do governo Lula, do PT , da CUT e da UNE.


Lutamos pela construção de uma vanguarda de esquerda que não se exima da difícil tarefa de constituir uma classe trabalhadora autônoma e independente, não para ser dirigida, mas capacitada a alterar com profundidade a correlação de forças fundamental de nossa sociedade.

Um programa classista cumpre o papel de elevar e não rebaixar o nível de consciência da classe trabalhadora, especialmente, repetimos, quando em momentos de crise nos defrontamos com a agudização das lutas de classe e mais do que nunca se faz necessária a organização independente da classe trabalhadora e da juventude brasileira!

Responder corretamente aos desafios pautados pela conjuntura é promover a independência ideológica e política da classe trabalhadora e lutar pela implantação de um programa socialista pautado numa economia estatizada e planificada para superação da opressão da classe trabalhadora.


Enfrentar a crise é lutar pela superação do capitalismo!
Pela organização independente e autônoma da classe trabalhadora!

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