Uma bela página da História recente de Portugal. Uma Revolução que teve início na madrugada fria do 25 de Abril. Uma Revolução que nasceu sob o signo das flores, cravos vermelhos, embalada pelas canções de Zeca Afonso, Depois do Adeus e Grândola, Vila Morena, música/senha, a anunciar os novos tempos em liberdade. Como bem definiu Sophia de Mello Breyner, poeta portuguesa, “liberdade, a poesia estava na rua”. Claro que há também os antecedentes, a guerra colonial, o horror da guerra em África. A Revolução dos Cravos se dá em 1974. No Brasil, vivíamos o fim da era Médici, uma fase conturbada de nossa história, conhecida como “os anos de chumbo” e o início da era Geisel. Do lado de lá do Atlântico, depois de 48 anos de fascismo português, do Salazarismo, os militares, o Movimento das Forças Armadas (MFA), liderado pela jovem oficialidade, “Os capitães de Abril”, e o povo derrubavam uma ditadura de direita. Isto para nós, latino americanos, era algo incrível. Porque aqui, os militares depunham governos legítimos, presidentes eleitos. Há um texto importantíssimo sobre esse momento, publicado na “Revista Brasil Socialista”, de Éder Sader, intitulado “Lições de Portugal”. A música popular brasileira acompanhou todo o processo revolucionário português: Chico Buarque, nas duas versões de “Tanto Mar”; Nara Leão, gravando “Grândola”; Abílio Manuel, “O Cravo e o Fado de Abril”. No cinema, Glauber Rocha registrando os fatos em documentários. Sebastião Salgado, com suas fotos divulgando para o mundo a boa nova. A revolução dos Cravos mantinha acesa a chama da esperança do lado de cá do Atlântico.
Nessa data, todos os anos, nos pilares da ponte em Lisboa, que leva o mesmo nome, escreve-se 25 de Abril SEMPRE. Foi a lição que Zeca Afonso nos deixou.
Aqui, relembramos a data através de músicas, portuguesas, brasileiras, africanas. É importante que se registre a importância de África, dos líderes do MPLA, FRELIMO, dentre outros, para o 25 de Abril. Moacyr Werneck de Castro, nos anos 70, mantinha uma coluna no jornal “Última Hora” sobre os rumos da guerra em África. Vários depoimentos foram registrados, como o de Mário Pinto de Andrade, que dizia: “a nossa luta pela independência levará à derrubada do Salazarismo em Portugal”. O golpe militar no Brasil dificultou o acesso à informação, tentou destruir essas pontes de solidariedade. Hoje, a projeção de filmes como “Capitães de Abril”, de Maria Medeiros, é um modo de nos reencontrarmos, avaliarmos os nossos impasses, as nossas contradições. Havia um provérbio chinês muito citado pelo regime: “Quem recorda o passado perde um olho”. Depois da Revolução dos Cravos, ele foi recuperado na sua totalidade: “Aquele que o esquece perde os dois.” Uma palavra sintetiza o fato de não nos esquecermos dos cravos de abril: resistência. A aposta de que somos capazes de sonhar, lutar por um mundo justo. Por vezes, as cores e os ideais se confundem, podemos não saber exatamente o que desejamos, mas temos a certeza, a convicção do que não queremos reviver. O 25 de Abril funciona como um toque e um alerta. Atua no nível da consciência como se fora uma espécie de porto onde, vez por outra, ancoramos as nossas esperanças.
“Em cada esquina um amigo, em cada rosto igualdade, Grândola Vila Morena, terra da fraternidade”. Aninhada em nossa memória, a lição de abril permanece.
*Cinda Gonda, professora da Faculdade de Letras da UFRJ, que escreveu o texto como contribuição para o blog do COLETIVO MARXISTA
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