quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Pequenas reflexões alemãs entre os subúrbios cariocas

A Cidade Maravilhosa presenciou cenas lastimáveis nas últimas semanas, sendo os confrontos entre traficantes e policiais noticiados em diversas partes do mundo. A cidade, que em breve será sede de mega-eventos esportivos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, sofre diariamente com as mazelas sociais desencadeadas pela lógica cruel, desigual, desumada e opressora do sistema capitalista. Diante desse cenário, o COLETIVO MARXISTA reconhece a importância de unirmos a classe trabalhadora para nos organizarmos de maneira independente e contrária aos dominantes políticos e econômicos a fim de construirmos uma sociedade sem classes, que garanta os mesmos direitos e os mesmos deveres para o conjunto dos homens e mulheres que dela fazem parte. Orgulhamo-nos em publicar mais uma das belas reflexões de nosso colaborador Ricardo Kubrusly, que destinou o texto "Pequenas reflexões alemãs entre os subúrbios cariocas" à nossa militante Vera Salim, uma das fundadoras do COLETIVO MARXISTA.


Para Vera Salim desencantada


Enquanto as enchentes com seus mortos e seus holofotes esperam as águas de março para formarem seus palanques, os morros tremem aos sons das bombas da liberdade. Estranhos artefatos que matam ao libertar e só libertam enfim pelo espírito desajeitadamente ressuscitado, na troca colorida do vermelho ao azul em seus comandos. Os tanques, finalmente, iluminam nossos governantes. E a cidade, entorpecida, agradece. São sombras e múmias que agradecem aos uniformes gordos enquanto as drogas descem os morros e penetram pela TV nas veias secas de um destino amedrontado. Troca fausta a de esperar felicidade nas praças cobertas de armas uniformizadas. Triste ver tomada de soldados e milicianos em nossas ruas. Triste amedrontado o preço dessa paz por mídia feita e por mídia respirada. Que globo é esse que se nos impõe arrombamentos e silêncios, arrombamentos e aplausos, arrombamentos invisíveis. Que comando paralelo e vil, esse, que em nossas casas, todas as casas, todas as horas, bombardeia suas mentiras impunemente. Ora, ora, ora, mandem os tanques ao jardim botânico, pois é lá que bazucas encapuzadas de elétrons se nos aniquilam. Para onde ia mesmo a droga apreendida? Ah, e as armas, por onde vinham?



AP Photo - Andre Penner


Não, não queremos a cidade com rifles apontados por todos os carros e por todas as janelas desse comando azul corrupto, ou verde de tristes lembranças. Não somos e não podemos nos enganar tanto em parecermos uma cidade dividida entre bandidos e polícias e orquestrada pelo pior dos pensamentos jornalísticos. Merecemos mais e melhores reflexões. Precisamos das pessoas desaparecidas na cidade amedrontada, das crianças, dos loucos, dos professores, dos poetas, não somos o filme do momento nem queremos sê-lo.


AP Photo - Silvia Izquierdo


Espanta ver, aos galopes, irem-se as reflexões enquanto os rifles aplaudidos se aproximam. Lá vão eles, nossos Rambos, pateticamente verdadeiros. Nossas universidades, já acostumadas ao medíocre complacente de seus tão pequenos vôos, não se inquietam para além das possíveis interrupções das linhas que se cruzam, vermelha e amarela. Não tomam a si o que de fato é seu, preferindo aplaudir ufano-envergonhada a presença militar em nossas ruas a se engajar em uma análise sócio política do desastre social em que vivemos. A cidade torna-se, apenas, a cidade pela TV. Não somos o filme do momento nem queremos sê-lo.


AP Photo - Silvia Izquierdo


Dezembro avança e temos sempre muito mais o que fazer do que pensar o mundo e seus dramas. As lojas estão cheias e as fardas, como se numa Alemanha disfarçada, garantem o ir e vir dos acontecimentos. E se é certo eu aqui e agora, não temos o horror nazista de outros tempos e lugares, os militares, de todas as cores, há muito já nos ensinaram a não querê-los nunca por nossas ruas novamente.


Dezembro avança e as dezembradas não nos poupam as horas. Mais um natal faminto se aproxima, drogas e armas por todos os lados. A aflição de mais um ano sem sentido se renova e ainda predomina entre as palavras e os silêncios. De novo, apenas essa cidade uniformizada do azul e do verde de tristes lembranças e seus fuzis apontados rumo às nossas cabeças. Há que gritar um poeta adormecido: Que bandeira é essa que impudente encobre tanta covardia?!



Ricardo Kubrusly

Poeta, Professor, Matemático da UFRJ

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