quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Shortinho verde amarelo

O Coletivo Marxista se orgulha em publicar a poesia/texto "Shortinho Verde Amarelo", de autoria do poeta, matemático e professor da UFRJ, Ricardo Kubrusly, nosso colaborador e irmão em tantas lutas e enfrentamentos.

O texto dispensa apresentação. Certamente calará fundo no coração de todos os revolucionários espalhados por terras brasileiras e latino-americanas. O uso do esporte para exaltação do nacionalismo e formação de uma "consciência cidadã", que retira de pauta a luta de classe e "irmana" burgueses e proletários, é uma forma clássica de dominação. É a velha, e sempre eficiente alternativa de apaziguamento da luta de classe com tantos exemplos dramáticos na história.





Shortinho Verde Amarelo*

é


fogo nos pneus, cacete nas pernas
com seus shortinhos verde amarelos
girando feliz pelas praias da cidade.

Cuidado
VC. já foi filmado
sorria Q amanhã a coisa pega
é
fogo nos pneus, cacete nas pernas
que o subúrbio não grita assim dessa maneira

Ver a fumaça preta subindo pelo cristo de cimento
e as peles misturadas ao sangue
vermelho
sempre
futuro vermelho sempre
que há de varrer essa aquarela desbotada
essa alegria encomendada
esse sorriso estrangeiro


ao acordares, meu amor
verás pelas janelas da cidade
um sonho ensanguentado de felicidade
uma esperança nua, uma palavra igual
ao acordares
sugiro
fogo nos pneus, cacete nas pernas

Ali no aperto da praça, o Brasil se enfeitava para a fotografia, afinal depois da copa de 14 virão as olímpicas de 16 e assim adiaremos qualquer reflexão possível sobre as verdadeiras condições em que vivemos por mais 20 anos. Nós, opressores e seus sonhos metropolitanos rasgando implacável a terra empobrecida e nós, oprimidos, sonhando sonhos que nos são impostos. Sorríamos, estamos prontos o futuro, esse futuro passado que nos alcança por mais que dele tentemos nos desvencilhar...


Ali no aperto da praça, shortinho rebolando poucas e bocas, nas horas nas fumaças, que mais uma festa se faça, sem sonhos, também pudera, viver apenas a farsa da alegria desaproveitada. Somos um país triste, que às vezes se veste alegre, mas é triste, sonhando acordado de zona sul e calote seu destino acanhado e sem delicadezas. Samba o teu shortinho apertado e colorido que nessa praça o trem que não atrasa mata, como as escolas matam, e as avenidas matam. Samba o discurso da copa que o anão de bola é campeão no venceremos e samba nas américas, teu rebolado gringo, esquecido da história e suas lutas.


As olímpicas serão, como a fome nos sinais, à prova de balas. Serão nossas a miséria e a barbárie. O Rio no photoshop, lindo, com suas águas tranqüilas e transparentes, seus verdes, seus amarelos, luzindo, luzindo. O Rio botox nos morros, incêndio nas favelas.


No pensamento siliconado de nossas academias seremos finalistas nas torturas, campeões nos acidentes e nas mentiras, mas continuaremos como se fôssemos eles, enrolando palavras e inventando dizeres, falando como crianças imitando língua estrangeira. Sempre o mesmo sopro colonizado que nos acalentou os séculos. Até quando? Até quando sonharemos apenas esse sonho estrangeiro?

Será mesmo que para ser um bom brasileiro temos de querer a copa de 14 e as olímpicas de 16? Não poderíamos, por exemplo, querer as lutas de 17? Por que não fazer a próxima revolução aqui, em São Paulo, ou mesmo em Belô? ... e vê-la se alastrando pelas américas como sonhou Guevara e nós, com ele. Seríamos menos brasileiros se balançássemos nossos corpos por uma verdadeira vitória conquistada? O que queremos fazer de nossos dias? O que podemos fazer em nossos dias? Se só nos resta sonhar, que se sonhe lutando em plena revolução futura, dançando a vitória coletiva e acreditando num país solidário onde as idéias governem os acontecimentos.


É certo que a vida nos confunde. Como extrair verdades de um mundo que premia com a paz, repetidamente, os senhores das guerras? A quem querem enganar? A nós, a todos nós e é triste ver como se saem bem, como acreditamos no esquecimento, como acreditamos na nossa própria morte como solução das misérias do nosso mundo. O que fazer com essa indignação cansada que vivemos hoje, se não podendo viver comigo também não posso viver sim mim?

é...

fogo nos pneus, cacete nas pernas

*Ricardo Kubrusly

Poeta, Matemático, Professor da UFRJ

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