Na semana em que se noticiam o assassinato de mais quatro lideres de movimentos sociais e o número crescente de assassinatos no campo, o Coletivo Marxista reafirma a necessidade de uma campanha massiva contra a politica de repressão e criminalização da pobreza, dos movimentos sociais e partidos políticos da esquerda.
Parte fundamental dessa luta é a construção de uma campanha pelo desmantelamento dos aparatos de repressão, mantidos intactos desde o golpe militar de 01/04/1964, e o julgamento e punição dos responsáveis pelos crimes cometidos.
Publicamos, abaixo, texto de Ricardo Kubrusly, poeta, matemático e colaborador do Coletivo Marxista, escrito após o ato contra a comemoração do golpe organizada por militares no Rio de Janeiro, no fim de março. O texto vem se somar à indignação pelo que vimos e sentimos frente à crescente violência e bárbarie no Brasil, que reacende as tristes e dolorosas lembranças deste brutal e covarde período da ditadura millitar brasileira que continua presente 48 anos depois.
Foto: Gabriel Kubrusly
A tarde calma escondia os acontecimentos. Éramos poucos e protestávamos sim contra a triste comemoração que pateticamente acontecia. Comemorar um golpe que nos revogou a vida e seus sonhos por 20 anos ou mais, que fez nascer de si desnaturado, como uma mãe defunta, uma geração de amedrontados e desiludidos, que desistindo de lutar por um mundo melhor se aquietam, olhem em volta a triste cena, ao sabor dos ditames mundiais. Somos desde há quase 50 anos o que não queríamos ser, mas aquilo pelo qual lutamos ainda está a nossa espera para transformação do injusto em coletivo, não fomos nem seremos derrotados por aqueles velhos assassinos que ali, junto à memória de outros tantos covardes, se nos impuseram seu positivismo militarista exterminando corpos e idéias. As idéias, temos como recuperá-las, serão trabalhos e estudos prolongados, mas as proposições justas e coletivas hão de voltar a se impor perante esse país ainda desencontrado de sua história. Removeremos, nós sabemos, a descontinuidade lógico-filosófica que a estupidez da força bruta se fez instalar em nossos trópicos e corações, mas nossos corpos desaparecidos, como encontrá-los? Como reaver a dignidade dos corpos silenciados? Que bandeira é essa que protege os assassinos de uma juventude inteira?
Já não éramos tão poucos, a rua vestida de perguntas levantava suas bandeiras. Lá estávamos pintando o mundo vermelho, clamando pelos corpos, presentes, e por suas histórias seus desaparecimentos. A verdade não pode ser negada a um povo que a reivindica em seu direito, ou pode? Éramos algumas mães sem seus filhos e filhas, éramos filhos que não souberam mais de seus pais, éramos história rasgada e sonhos massacrados pelas mesmas armas que ali, frente à festa dantesca em riso torpe nos impedia os gritos e protegia, com a força dos seus gases venenosos, os assassinos que nossos gritos de verdade denunciavam.
A avenida pintada de vermelho reclamava. Sim queremos a verdade sobre nossos corpos e memórias. E não será essa policia militar e corrupta (há cinqüenta anos que essas duas palavras se confundem) com suas metralhadoras e suas bombas imorais que nos impedirão de exigir o que em nosso protesto, violenta e desproporcionalmente reprimido, buscávamos buscamos buscaremos. Que a verdade dos porões sombrios seja em fim revelada à sociedade brasileira. Este é um direito de todos e é um dever lutar por cada corpo desaparecido. Não teremos nenhuma chance como país civilizado se nossa história não fizer sentido. O sentido é o sentido dos corpos torturados e mortos por esses, hoje velhinhos mas sempre assassinos, que escondidos em seu clube de triste memória, comemoram um golpe que ainda nos golpeia todos os dias. Fortemente protegidos como se ainda regessem esse pobre Brasil desconjuntado, mais uma vez espalham o terror por nossas avenidas. Até quando?
Será mesmo esse o papel que se espera de nossa polícia, o de proteger assassinos, o de bater em mães e filhos que buscam alguma luz verdadeira sobre seus corpos queridos? Até quando fingiremos que nada aconteceu entre nós? Até quando teremos de nos envergonhar perante o mundo que há muito ajusta suas contas com a barbárie. No dia 29 de março de 2012, deslocados no tempo fez-se o templo da mentira entre as armas e as bombas servis e truculentas, mas estávamos lá reclamando nossos corpos desaparecidos e suas verdades sempre permanentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário