segunda-feira, 9 de abril de 2012

Crônica de Ricardo Kubrusly

Na semana em que se noticiam o assassinato  de mais quatro lideres  de movimentos sociais e o número crescente de assassinatos no campo,  o Coletivo Marxista reafirma  a necessidade de uma campanha massiva contra a politica de repressão e criminalização da pobreza, dos movimentos sociais e partidos políticos da esquerda. 

Parte fundamental dessa luta é a construção de uma campanha pelo desmantelamento dos aparatos de repressão, mantidos intactos  desde o golpe militar de 01/04/1964,  e o julgamento e punição dos responsáveis pelos crimes cometidos. 


 Publicamos, abaixo, texto de Ricardo Kubrusly, poeta, matemático e colaborador  do Coletivo Marxista, escrito após o ato contra a comemoração do golpe organizada por militares no Rio de Janeiro, no fim de março. O texto  vem  se somar à indignação pelo que vimos e sentimos frente à crescente violência e bárbarie no Brasil, que reacende as  tristes e dolorosas lembranças deste brutal e covarde período da ditadura millitar brasileira que continua presente 48 anos depois.

Foto: Gabriel Kubrusly

A tarde calma escondia os acontecimentos. Éramos poucos e protestávamos sim  contra a triste comemoração   que pateticamente acontecia. Comemorar um golpe que nos revogou a vida e seus sonhos por 20 anos ou mais, que fez nascer de si desnaturado,  como uma mãe defunta, uma geração de amedrontados e desiludidos,  que desistindo de lutar por um mundo melhor se aquietam, olhem em volta a triste cena,  ao sabor dos ditames mundiais. Somos desde há quase 50 anos o que não queríamos ser, mas aquilo pelo qual  lutamos ainda está a nossa espera  para transformação do injusto em coletivo, não fomos nem seremos  derrotados por aqueles velhos assassinos  que ali, junto à memória de outros tantos covardes, se nos impuseram seu positivismo militarista exterminando corpos e idéias.  As idéias, temos como recuperá-las, serão trabalhos e estudos prolongados, mas as proposições justas  e coletivas  hão de voltar a  se impor perante esse país  ainda  desencontrado de sua história. Removeremos, nós sabemos, a descontinuidade lógico-filosófica que a estupidez da força bruta se fez instalar em nossos trópicos e corações, mas nossos corpos desaparecidos, como encontrá-los? Como reaver a dignidade dos corpos silenciados? Que bandeira é essa que protege os assassinos de uma juventude inteira?

Já não éramos tão poucos, a rua vestida de perguntas levantava suas bandeiras. Lá estávamos pintando o mundo vermelho, clamando pelos corpos, presentes,  e por suas histórias seus desaparecimentos. A verdade não pode ser negada a um povo que a reivindica  em seu direito, ou pode? Éramos  algumas mães  sem seus filhos e filhas, éramos filhos que não souberam mais de seus pais, éramos história rasgada e sonhos massacrados pelas mesmas armas que ali, frente  à festa dantesca em riso torpe nos impedia os gritos e protegia,  com a força dos seus gases venenosos,  os assassinos  que nossos gritos de verdade denunciavam.

A avenida pintada de vermelho reclamava. Sim queremos a verdade sobre nossos corpos e memórias.  E não será essa policia militar e corrupta (há cinqüenta anos que essas duas palavras se confundem)  com suas metralhadoras e suas bombas imorais que nos impedirão de exigir o  que em nosso protesto, violenta e desproporcionalmente  reprimido, buscávamos buscamos buscaremos. Que a verdade dos porões sombrios seja em fim revelada à sociedade  brasileira.  Este é um direito de todos  e é um dever lutar por cada corpo desaparecido. Não teremos nenhuma chance como país civilizado se nossa história não fizer sentido.  O sentido é o sentido dos corpos torturados e mortos por esses, hoje velhinhos mas sempre  assassinos, que escondidos em seu clube de triste memória, comemoram um golpe que ainda nos golpeia todos os dias.  Fortemente protegidos como se ainda regessem esse pobre Brasil desconjuntado, mais uma vez espalham o terror por nossas avenidas. Até quando?

Será mesmo esse o papel que se espera de nossa polícia, o de proteger assassinos, o de bater em mães e filhos que buscam alguma luz verdadeira sobre seus corpos queridos?  Até quando fingiremos que nada aconteceu  entre nós? Até quando teremos de nos envergonhar perante o mundo que há muito ajusta suas contas com a barbárie. No dia 29 de março de 2012, deslocados no tempo fez-se o templo da mentira  entre as armas e as bombas servis e truculentas, mas estávamos lá reclamando nossos corpos desaparecidos e suas verdades sempre  permanentes.

Ricardo Kubrusly

Foto: Gabriel Kubrusly

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