domingo, 1 de julho de 2012

Greve das instituições de ensino superior mostra a realidade da reforma universitária brasileira: professores, funcionários e estudantes lutam na maior mobilização dos últimos dez anos


Privatização, mercantilização do ensino e produção de conhecimento, expansão sem infraestrutura e investimentos compatíveis, baixos salários para professores e técnicos administrativos, falta de professores e de salas de aulas, sucateamento e privatização dos hospitais universitários, ausência de verba pública para manutenção dos grandes laboratórios, estudantes sem assistência estudantil, sem alojamentos, bolsas estudantis sem reajuste e muitos outros problemas afetam as universidades públicas do Brasil



A greve nacional dos professores, iniciada no mês de maio, já conta com a adesão de 57 Instituições Federais de Ensino Superior do país (representando 95% do total). O movimento nacional se expandiu e, hoje, está unificado com a greve nacional de estudantes e funcionários técnico-administrativos. O vertiginoso ascenso do movimento grevista, mesmo com o boicote da mídia e acontecendo exatamente durante a lamentável Rio +20, pode ser explicado pelo quadro acima relatado. É também importante ressaltar a indignação crescente dos professores com a intransigência e truculência do governo petista que, apostando na sua força, ignorou por quase  dois anos as reivindicações do sindicato nacional da categoria, o Andes-SN, fato que se repetiu em dia 19/06 quando, mais uma vez,o governo desmarcou a reunião com o sindicato alegando impossibilidade de reunir sua equipe.  

Além das justas e necessárias reivindicações de aumento salarial, plano de carreira e condições dignas de trabalho, a força do movimento grevista é a certeza da urgente necessidade de dizer não ao acelerado processo de sucateamento e privatização da universidade e educação públicas, defendendo um projeto de universidade voltado para a classe trabalhadora e não às demandas do mercado. Reuni, Prouni, Lei de Inovação Tecnológica e mais tantos outras programas embelezados com siglas e propagandeados por publicitários bem pagos nada mais são, no seu conjunto, que um ataque profundo ao caráter público das universidades. O processo de corte de verbas e provatização, iniciado nos anos 1990, por Collor e FHC, se aprofunda e institucionaliza nos governos Lula e Dilma.

Com o modelo implementado, há a transferência de verbas para a iniciativa privada e a universidade pública perde sua autonomia. Até mesmo o já inaceitável e excludente processo de seleção - que deveria ser abolido em favor do acesso universal à educação pública e gratuita em todos os níveis – foi piorado e colocado a serviço de um sistema mercadológico. A produção de conhecimento acontece cada vez com menos autonomia e refém dos interesses do capital: a manutenção e financiamento de importantes laboratórios e pesquisas, diante da falta de verbas públicas, depende de projetos com o setor privado. O quadro de profissionais tercerizados - é, em muitas universidades, até quatro vezes superior ao quadro de funcionários públicos estatutários. Quadro que se aprofunda no caso do serviços básicos, como segurança e limpeza, onde os  serviços já são totalmente terceirizados e os trabalhadores, superexplorados e sem quaisquer garantia de direitos .
 
Manifestação em defesa da educação publica durante a Rio +20

 
Um processo iniciado na Ditadura Militar

Para entender este processo é preciso voltar aos terríveis anos da Ditadura Militar (1964-1985) e lembrar que, ali, se gestou um novo modelo de universidade, iniciado com o isolamento e separação física de campus e das unidades e com a construção de novos projetos pedagógicos, nos quais a reflexão e a criação de conhecimento endógeneo deram lugar ao modelo fragmentário e mercantil, imposto pelos tão criticados acordos entre o Ministério da Educação brasileiro e a Usaid (United States Agency for International Development). Ali, como em toda a America Latina, foram ceifadas cabeças de tantos intelectuais, professores  e estudantes que defendiam uma modelo de universidade pautado no conhecimento crítico, endógeno e questionador. 

Em tempos de “Brasil: Ame-o ou deixe-o”, um dos principais slogans da ditadura, a universidade pública perde seu caráter critico tornando-se servil e obediente ao modelo de crescimento e de educação imposto pelo Fundo Monetário nternacional (FMI) e pelo Banco Mundial para America Latina: produção do de conhecimento no centro do capital e assimilação de conhecimento pela periferia. Como contrapartida, grandes obras públicas, expressivo crescimento das engenharias e áreas tecnológicas, cientistas bem formados e alienados e... endividamento externo impagável com o enriquecimento vertiginoso de alguns. Só como exemplo, citamos Mario Andreazza, Ministro de Transportes de Costa e Silva e Médici e responsável pela construção da Ponte Rio-Niterói e Transamazônica, umas das principais obras realizadas pela ditadura brasileira.

Ali, com força, prisões, torturas e assassinatos se impôs um novo modelo de sociedade e educação,especialmente para o ensino superior brasileiro. Modelo que, já enraizado, não é revertido de forma integral durante o período de redemocratização. Mas é com a chegada da década de 1990 e a implementação das políticas neoliberais que o sucateamento e privatização da educação e saúde se aprofunda. Seguindo a cartilha dos organismos internacionais - como o FMI e o Banco Mundial - os governantes brasileiros privilegiam os interesses de empresários, latifundiários e banqueiros, ao privatizar importantes setores e empresas e sucatear as necessidades básicas da população, como saúde e educação. As privatizações, acompanhadas de reformas, como a da previdência, são iniciadas no governo de Fernando Henrique Cardoso com enorme resistência da classe trabalhadora e movimentos sociais.


Governo Dilma e Governo Lula: privatização da saude e educação


O papel do governo Lula/PT

 Aparece então o necessário governo de Lula para a burguesia nacional e internacional: a figura de um histórico líder sindical sustenta ideologicamente a noção de um governo a serviço da classe trabalhadora, que implementa todas as reformas iniciadas por FHC com mais facilidade. Conta com um diferencial importante: a facilidade para neutralizar as lutas e resistências a esses projetos. Lula cumpre perfeição o papel desenhado pela burguesia tendo o Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) como organismos essenciais para sua sustentação e domesticação dos trabalhadores e dos movimentos sociais e estudantis.

Assim, a Reforma Universitária avança de maneira fragmentada a partir de 2004, com o Programa Universidade Para Todos (ProUni), o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), o Decreto das Fundações, a Lei de Inovação Tecnológica e outros projetos. No segundo mandato de Lula/PT, a partir de 2007, os ataques são ainda maiores. O Decreto 6096/07 (REUNI), alardeado como “abertura da universidade para os filhos dos trabalhadores” amplia as vagas sem o investimento necessário e é condicionado a metas precarizantes, reestruturando as Universidades brasileiras para atender às demandas mercadológicas (as metas incluem o aumento da relação professor aluno e a criação de cursos aligeirados e precários para dar conta da formação em massa de estudantes sem as verbas necessárias). Assim, se realizou o  milagre da multiplicação das vagas e diplomas num momento em que ,devido a reforma da previdência, diminuía significativamente  o já insuficiente quadro de professores. Não esquecer a célebre e ameaçadora frase de José Dirceu, Ministro da Casa Cívil,e ex- lider estudantil, ao se referir à aprovação da reforma universitária brasileira: “o pau vai comer, como aconteceu na reforma da previdência”.

No governo que se elegeu prometendo melhoria da educação e saúde, o que se viu foi a continuidade deste modelo e a consolidação de sua implementação, com o carreirista Fernando Hadadd, Ministro de Educação e hoje aliado oficial de Paulo Maluf, um dos ícones da direita e da ditadura no Brasil! Já no seu primeiro ano, o Governo de Dilma/PT corta mais de 5 bilhões do orçamento para a área da educação enquanto continua auxiliando montadoras, banqueiros e empresários. Agora, quando a crise é o argumento para não conceder aumento de salário aos professores e funcionários, às bolsas dos alunos de graduação e pós-graduação e as demandas por assistência estudantil, o Banco do Brasil negocia a compra da metade do capital do Banco Votorantim (que anunciou recentemente prejuízo de R$ 597 milhões devido ao desaquecimento do mercado de carros usados).

Os resultados desta política apareceram logo após o período eleitoral: precarização do trabalho docente e a total desestruturação da Universidade pública brasileira. Agora, cinco anos após a implementação do Reuni, a greve nacional expressa claramente as consequências desse projeto. No cotidiano das diferentes universidades públicas federais nos deparamos com os mesmos problemas: falta de professores, falta de sala de aula, falta de laboratórios, hospital universitários (HU) sem emergência e sucateados, sendo a implosão de parte do HU da UFRJ, o número expressivo de professores substitutos, a inviabilidade de seus grandes laboratórios de referencia apenas alguns exemplos do sucateamento das universidades.

Greve em defesa da educação pública!



A greve e a luta

Como resposta a este alarmante quadro apresentado e a ausência de negociações surge a luta unificada de todos os segmentos das Universidades. A luta dos docentes das Universidades Federais serviu como estopim para um processo bem mais amplo. Agora, com técnicos administrativos e estudantes em greve, o Governo Dilma, que primeiro se negava a negociar, “pede trégua “. Com o crescimento da luta  se coloca também em xeque o arco de alianças do Governo Dilma. No Rio de janeiro, sede da Rio+20, os docentes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) também deflagraram greve para enfrentar os ataques de Sergio Cabral, governador que  massacra bombeiros, prende estudantes e professores, desaloja e criminaliza os movimentos pela moradia enquanto se diverte na Europa junto com seu amigo Cavendish, empreiteiro beneficiado pelas grandes obras do estado!

A realidade, tão dura, mostra que os trabalhadores, estudantes e movimentos sociais nada tem a esperar do Governo Dilma/Pt e dês seus aliados, especialmente em tempo de eleições e crise do capital. Assim resta aos trabalhadores a luta organizada em defesa de seus direito e em contraposição com as políticas que vem sendo implementadas.

Um saldo positivo deste processo é reconhecimento da necessidade de organismos de lutas que unifiquem e organizem as lutas dos trabalhadores brasileiros e do importante papel cumprido pelo ANDES-SN,que em contraposição ao sindicato pelego Proifes (criado pelo governo petista), organiza representa e negocia em nome do movimento docente.  É preciso avançar ainda mais na construção das lutas e na unidade com os demais segmentos em greve para arrancar vitórias concretas. Da mesma forma, fica claro ao movimento estudantil que a UNE, financiada e sustentada pelo governo petista, já não representa os que lutam. E, neste momento, tornam-se claros os limites e a incapacidade da ANEL - Assembleia Nacional dos Estudantes-Livre (construída muitas vezes superestruturalmente e como uma corrente do movimento estudantil, sem consolidar a política necessária a uma nova entidade para os estudantes que lutam), em unificar objetivamente as mobilizações e alçá-las a um patamar superior. 

O atual processo, com a constituição de Comandos Nacionais de Greve das categorias, expressa a necessidade de unificarmos as lutas em um grande enfrentamento ao governo e suas políticas. Entendemos que esse enfrentamento se faz em escala nacional e local, também em cada universidade, buscando vitórias concretas que se contraponham à lógica privatista e de sucateamento e consolidem a construção do nosso projeto de universidade, pública, gratuita, de qualidade e voltada para a classe trabalhadora. Por isso, é preciso entender que as lutas imediatas por melhorias estruturais, bolsas, assistência estudanti e salários devem ser travadas de maneira unificada com as lutas mais gerais, como o financiamento de 10% do PIB para a educação imediatamente, a derrota do Plano Nacional de Educação mercantilista e privatista do governo, a revogação do Reuni e suas metas, entre outras.
A UNE não fal em nosso nome!   Por uma nova organização estudantil a serviço das lutas dos estudantes!
Ao mesmo tempo, os Comandos de Greve precisam atuar unificadamente: é urgente a constituição de um Comando Nacional de Greve Unificado de todas as categorias em greve, que pressione o governo, negocie unitariamente e, baseado na força da greve, arranque vitórias. Os Comandos precisam funcionar com autonomia e expressando o vigor da nossa luta, representando aqueles que constroem a mobilização em cada local. 

No caso do movimento estudantil, que enfrenta a atuação da UNE, comprometida com o governo, para neutralizar a luta e impedir a greve de se enfrentar com os projetos de Dilma, a construção do Comando expressa não apenas a necessidade de constituição de um instrumento mais amplo que a entidade, mas também que se coloque contra a política por ela implementada. Temos defendido isso em todos os espaços e a recente traição da UNE, que sentou para negociar com o Ministro da Educação em nome do movimento (depois de comemorar a aprovação parcial do PNE precarizante e a meta de 10% do PIB para a educação em 10 anos, pauta oposta à da greve), não deixa dúvidas dessa necessidade. O Comando é o legítimo representante da greve estudantil, e não a UNE. E quando não tivermos mais greve, os estudantes em luta ficarão sem um instrumento nacional para unificá-los? Isso expressa, mais uma vez, a necessidade de criação de um novo instrumento nacional que esteja à altura da tarefa de unificar as lutas e conquistar vitórias.

Viva a greve nacional das universidades públicas! Por imediata negociação e atendimento das pautas de professores, funcionários e estudantes em greve!

Por uma nova organização estudantil a serviço das lutas dos estudantes!

Que a CSP-Conlutas avance como uma nova central sindical a serviço da classe trabalhadora!

A luta, companheiros, rumo a construção dos caminhos e organismos a serviço da classe trabalhadora, dos movimentos sociais e da  juventude brasileira.
Coletivo Marxista

Um comentário:

Unknown disse...

Pra quem adora criticar o governo e atacar o Sérgio Cabral saiu uma notícia muito boa pro nosso estado! O Rio vai receber um investimento muito bom em todo o estado. Agora vocês não vão ter mais o que falar...