sábado, 25 de outubro de 2014

No segundo turno, votamos nulo em defesa da construção de uma alternativa classista na esquerda brasileira


O Coletivo Marxista reafirma a sua posição de voto nulo para a Presidência da República nas eleições burguesas de 2014.

Nossa posição de voto nulo não é uma reafirmação mecanicista de nosso posicionamento anterior para o primeiro turno, mas sim fruto da avaliação de que a disputa presidencial, polarizada entre a candidatura de Aécio Neves e Dilma Rousseff,  não deixa outra opção para aqueles que defendem o projeto histórico do socialismo e assumem, como tarefa diária, a abertura e pavimentação dos caminhos que nos levarão a esta conquista.

A falsa polarização entre uma “mudança” capitaneada pelo PSDB e a continuidade do mesmo, o mesmo que nos levou e nos leva às ruas e às lutas contra a implementação aprofundada das políticas neoliberais associadas, como exigência, à criminalização da pobreza e do ativismo social. E não esqueçamos a forma que nos reprimiram: com o uso de extrema violência, arbítrio e repressão. Nossas tarefas não passam pelos caminhos ilusórios do imediatismo. E, sabemos, nada ganharemos em usar este momento de politização para debater e escolher entre  um governo de extrema direita e outro, o governo petista, que como denunciamos sistematicamente, tornou-se um eficiente agente para implementação das políticas neoliberais que dão sobrevida ao capital e aprofundam a barbárie em terras brasileiras usando, justamente, o discurso alicerçado no seu passado e nos vínculos ideológicos com a classe trabalhadora.

É possível, então, que para barrar o PSDB de Aécio, Fernando Henrique, Serra e Alckmin, entre outros, nos reste apenas a opção imediatista  de votar no governo petista? Vamos submergir no imediatismo “pragmático” e por hipnose esquecer - só para citar alguns exemplos - da Copa da FIFA, dos meganegócios, da Usina de Belo Monte, das greves de Jirau, da usurpação das terras indígenas, dos leilões do petróleo, das tropas no Haiti, da reforma da previdência, da reforma universitária, da violenta repressão aos movimentos sociais, da criação da guarda nacional, da morte de tantos ativistas e sindicalistas, até hoje impunes? Não, não é esta a tarefa que cabe a esquerda socialista e revolucionária.

É preciso desconstruir a esperança de reais mudanças com o governo Dilma, e também preciso repudiar a “mudança” Aécio, construída pela  Globo, pela Veja e pela ala mais conservadora da sociedade brasileira, que vota em Alckmin e Bolsonaro. O eco da “mudança” com Aécio é mais uma sinal do conservadorismo e da falta de politização de uma grande parcela da sociedade brasileira, desinformada pelos meios de comunicação hegemônicos que, apenas pra destacar um exemplo, só depois da reeleição de Alckmin noticiam a trágica crise de água  em São Paulo. A mesma grande mídia que esconde o que foi o governo FHC com a privataria das telecomunicações, a asfixia das universidades públicas, a violência com que reprimiu os movimentos sociais e manifestações e nunca fala ou relembra de Pinheirinho. Apenas alguns dos tantos exemplos que precisam ser lembrados e analisados, já que avaliação política não se faz apoiada nos efeitos midiáticos, criados pelos marqueteiros bem pagos, mas na materialização das políticas implementadas.

Votamos nulo porque nosso projeto precisa ir muito além da escolha entre o projeto neoliberal, conservador e retrógrado do PSDB e o petista, orientado pelos mesmos fundamentos, mas travestido de progressismo. Certamente há diferenças, mas todas elas circunscritas à forma de gerir o capital em crise. Apostar nesta  diferenciação, ressaltando o caráter neodesenvolvimentista e “popular” dos governos petistas, é uma análise primária, que não  se sustenta  na realidade concreta, especialmente para aqueles que, como o Coletivo Marxista, sustentam suas avaliações na Teoria da Dependência que teve em  Ruy Mauro Marini um de seu principais formuladores. Arma importante para entender e encontrar os reais caminhos para a superação da miséria e da barbárie nos países dependentes, que nos mostra que nossos problemas não são ‘falta de desenvolvimento’ e sim justamente o resultado do desenvolvimento que cabe aos países periféricos no mundo capitalista.

É para isto que militamos. Não fazemos, como diz Paulo Arantes, no seu brilhante O Novo Tempo do Mundo, “uma fuga para frente” que consiste apenas em adiar o terrível futuro que nos espera se não destruirmos a lógica do capital. Nossa tarefa é agora negar este imediatismo e procurar e criar os caminhos para superação e derrota do capital. Assim, não podemos referendar e nem compactuar com o imediatismo raso que tem se intensificado nestes últimos dias da corrida presidencial e que faz com que uma grande parte do eleitorado progressista e mesmo parte da esquerda combativa e socialista apoie com mais e mais intensidade a candidatura Dilma. Os apoios, que se iniciaram com diferentes matizes políticos, agora se intensificam numa quase que defesa incondicional do governo Dilma. É fácil entender que assim sejam vistas a indignação e a revolta que causa a arrogância desrespeitosa de Aécio e das manifestações da extrema direita que o apoiam, tão bem  representadas por Rodrigo Constantino,  edições da Veja, dos infinitos comentaristas da Rede Globo e dos fascistas de carteirinha que se sentem autorizados a exercer sua brutalidade retrógrada pelas ruas .

Mas o voto crítico em Dilma, opção de parte da esquerda combativa, como um voto de veto ao PSDB, e daqueles que, simples assim, nos avisam que é preciso escolher alguém para presidência e votar no “menos pior” para impedir o retrocesso maior que seria o retorno do PSDB ao poder, ignora a necessidade urgente do debate estratégico e de projeto para a esquerda brasileira, reduzindo as análises conjunturais ao imediatismo eleitoral e adiando a construção de uma alternativa à altura das lutas e nossos desafios. Trata-se, portanto, apenas de escolher entre um programa neoliberal ortodoxo do PSDB ou do social-liberaslismo petista, resultado do desenvolvimento do Programa Democrático-Popular, duas formas distintas de aplicar o mesmo conteúdo: a manutenção e ampliação do sistema capitalista?

Para nós, não. Não temos dúvida que algumas políticas sociais, sobretudo o Bolsa Família, que aparecem como carro-chefe do PT para propalar a “erradicação da pobreza”, têm efetividade. Mas que fique claro, são políticas focais, destinadas apenas a uma parcela da classe trabalhadora, atingindo aos seus setores mais miseráveis e obedecendo o receituário do Banco Mundial, não atacando os problemas estruturais e sendo extremamente restritas inclusive para aquilo que se propõem, o emergencial e imediato a partir das políticas compensatórias imediatas. Reconhecemos iniciativas como Bolsa Família e sua importância concreta na vida de milhões de brasileiros em situação de miséria. E queremos mais, aquilo que o governo petista não pode fazer.  Esta é, apesar dos avanços concretos, uma política de administração da miséria e da pobreza, destinada a conter seus efeitos extremos e incluir a população miserável pela perspectiva do consumo. Nós queremos a superação desta lógica que se sustenta no superávit primário, política de juros altos, liberalização do mercado para o grande capital internacional, e, por fim, manutenção da política de privatização e da entrega de nossas riquezas naturais ao grande capital. 

Então, nós marxistas e, portanto, comunistas, temos por obrigação usar este momento de maior politização da sociedade para exercer nossa prática militante que busca uma ampliação da consciência da classe trabalhadora e dialoga com o  resgate da utopia pautada num projeto coletivo totalizante. Projeto que exige a criação de uma alternativa em direção à criação de um partido com projeto de classe, revolucionário, única alternativa capaz de enfrentar o capital em crise e derrotar a barbárie

É preciso ir além da polarização entre PT e PSDB e superar a profunda confusão e desorientação ideológica decorrente da experiência com os governos petistas, em grande parte capturada pelo discurso conservador e paralisante de que ‘não existe esquerda e direita’ e de ‘todos partidos são iguais’ e de que ‘políticos quando chegam ao poder sempre se vendem’. A frustração com o governo petista não pode ser capturada à direita e transformada em discurso moralista e desmobilizador.

Não somos iguais e é preciso mostrar em que nos diferenciamos. E para isso, é preciso repudiar a direita tradicional e negar a direita que está no governo e se apresenta como ‘popular’ depois de 12 anos governando para os mesmos. É preciso combater o culto individualista e espontaneísta que nega os partidos em geral e mostrar que é preciso ir além, muito além. É preciso mostrar em que nos diferenciamos dos partidos burgueses e pautar a necessária organização estratégica, que se materializa na criação de um partido revolucionário. Não podemos nos furtar a tarefa.

Baseado nestas premissas, o Coletivo Marxista vota nulo e pauta a necessidade da  urgente criação de um movimento unificado e autônomo a serviço do protagonismo da classe trabalhadora.

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