por Thiago Coqueiro
Negro e militante do Coletivo Marxista
Dia da consciência negra, dia de
não perder a memória e construir a luta diária!
Valeu Zumbi! Este é o verso do
lendário samba-enredo Kizomba, Festa da Raça, apresentado pela GRES Unidos de
Vila Isabel em 1988, que ainda hoje ecoa entre nós quando se exalta a figura de
Zumbi dos Palmares, ícone da luta dos negros contra o sistema escravista. No
Dia da Consciência Negra é também importante exaltar outras lideranças como:
Manoel do Congo e Mariana Crioula, que lideraram uma revolta dos negros em
Valença em 1839, maior levante do Vale do Paraíba; Dandara, liderança do
Quilombo dos Palmares; Maria Teresa de Benguela, liderança do Quilombo
Quatiterê/MT; Negro Cosme, líder do exército negro da Balaiada; João Cândido,
líder da Revolta da Chibata.
Devemos ainda lembrar que, em
diversos lugares, houve a articulação das lutas com indígenas e trabalhadores
não negros pelo fim da escravidão. Estes personagens demonstram que a história
das lutas das negras e negros brasileiros é também a história da Luta de
Classes, que demanda sempre dos trabalhadores a tarefa de se organizar para
conquistar a tão sonhada liberdade. Não se deve esquecer que as várias greves
dos trabalhadores, de diversos setores, também contribuíam para a fuga dos
escravizados. Mais um exemplo da associação entre a luta pelo fim da escravidão
com as lutas gerais da classe trabalhadora.
E, como sabemos, com a conquista do
fim da escravidão, negros e a negras, aos poucos, foram incorporados ao
trabalho assalariado, no qual a mercadoria deixa de ser o próprio corpo negro,
passando a ser a força de trabalho. O desenvolvimento do sistema capitalista na
periferia integrou esses trabalhadores na sua dinâmica moderna de acumulação e
expropriação, mas os manteve nesse novo cativeiro em condições muito especiais.
Dados do DIEESE mostram que os
trabalhadores negros ganham 36% menos que os não negros. A discriminação não se
explicita apenas no mercado de trabalho. O negro no Brasil tem 3,7 mais chances
de morrer de forma violenta. O 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP) mostra que entre 2009 a 2013 o número de homicídios no país subiu de
44.518 para 53.646, dos quais 36.479 dos mortos são jovens negros. Anualmente,
morrem 153,9% mais jovens negros do que brancos. Esta é a realidade de uma sociedade
que segue ocultando e naturalizando o extermínio e assiste o genocídio da
juventude negra.
Negras e negros
sob o Capital
Engana-se,
no entanto, quem pensa que os e as trabalhadoras negras aceitaram a “nova”
forma de reprodução do capital com o fim da escravidão. Diversas formas de
resistência e organização surgiram, como nos sindicatos, as Irmandades Negras,
a Frente Negra Brasileira, entre outras. Tais movimentos colocavam e colocam em
questão a exploração do homem pelo homem e o racismo. A luta jamais estancou, mesmo
sujeita a momentos de ascensão e outros de refluxo. De qualquer forma, vale
registrar que todos os ganhos dos negros são frutos de suas lutas, como a lei
que criminaliza o racismo; o direito do território aos quilombolas (art.68 da
constituição); a criação do decreto 4887/2003 que regulamenta as demarcações dos
territórios quilombolas; as cotas nas universidades públicas, etc. Se por um
lado esses avanços inscritos em forma de leis e decretos, obrigam o Estado a reconhecer
pressões históricas do movimento negro, por outro, o aprofundamento do
neoliberalismo segue deteriorando as condições de vida dos trabalhadores. Assim,
as sucessivas derrotas de toda a classe trabalhadora nas últimas décadas
abriram espaço ao aumento da brutalidade policial, a maior violência do próprio
oprimido sobre o oprimido, a criminalização dos movimentos sociais e o
recrudescimento da guerra de extermínio à juventude das favelas.
A questão
quilombola
A
garantia dos territórios quilombolas foi inscrita, com muita luta contra o
racismo e contra os latifundiários, na Constituição de 1988 (artigo 68), que afirma:
“Aos
remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos.” No Governo Lula foi criado o Decreto 4887/2003, que
transfere para o INCRA a responsabilidade de emitir os títulos dos territórios
quilombolas, além de regulamentar o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos. Tal decreto foi comemorado pelos
movimentos sociais como uma grande vitória, visto que agilizava o processo de
demarcação. Mas seguindo sua trajetória de conciliações em nome do capital, o Governo
Lula/PT cedeu à bancada ruralista, fazendo com que o decreto sofresse seis
modificações que tornaram o procedimento mais moroso. Indisfarçavelmente, a
verdadeira opção do governo federal foi pelo agronegócio e pela mineração. Em
2014, Dilma/PT liberou 24,1 bilhões para o financiamento da agricultura
familiar (responsável por 80% do alimento consumido no Brasil) e 156 bilhões
para o Agronegócio. O relatório do INCRA, de 2014, mostra que entre 2003-2014
foram abertos 1281 processos de titulação de territórios quilombolas, mas
apenas 21 comunidades tiveram o seu
titulo emitido! A conexão entre estes dois dados mostra o porquê da lentidão
nas demarcações das terras quilombolas: a demora resulta no aumento de tensões
entre os invasores (latifundiários) e os quilombolas, o que intensifica sobremaneira
a violência no campo. As mortes no campo prosseguem, e o recente assassinato e
esquartejamento do líder quilombola
Artêmio Gusmão, no Alto Acará, no Pará, é,
tragicamente, apenas mais um dos exemplos desta revoltante e cruel realidade. É
preciso registrar que, até o momento, o governo não apresentou nenhuma resposta
ao caso e para tantos outros assassinatos de lideres quilombolas e
sindicalistas. Mesmo em meio a tanta calamidade, não se fala em intervenção
direta do governo federal, que se mostrou tão útil e ágil para garantir lucros
dos meganegócios, como os da Copa da Fifa!
Seguindo
o curso da história, é preciso partir da certeza de que não é possível
depositar nenhuma esperança no governo Dilma/PT, como fazem alguns dos nosso
companheiros de luta, mas sim acreditar na força da nossa organização. Só ela
nos permitirá continuar abrindo os caminhos de construção de uma sociedade
livre da opressão. Nesta luta temos que seguir exemplos como o das comunidades quilombolas do Sapê do Norte/ES, que
fizeram a investida para retomar uma área 9.500 hectares que pertence à
comunidade invadida pela Aracruz, uma gigante do
crime.
O genocídio da
juventude negra
No dia 13 de Maio de
2014, completamos 126 anos da assinatura da abolição pela princesa Isabel, que
"partira a corrente", corrente a que nos prendia, que tornava todos
nós, negros e negras, escravizados e escravizadas. Tratava-se do reconhecimento
de uma conquista, fruto de séculos de resistência ativa e passiva que tornou
inviável a manutenção do cativeiro, e não um presente da monarquia no apagar
das luzes. A corrente partiu, mas até hoje é ela que arrastamos quando, por
exemplo, assassinam e somem com Amarildo Dias; arrastam e matam Claudia Silva
Ferreira; predem Rafael Braga por portar produto de limpeza; matam com
"bala achada" DG, Douglas da Silva e Edílson da Silva!
É ela que está
presente na realidade brutal da mulher negra brasileira, usada como símbolo
sexual, explorada duplamente no mercado de trabalho e submetida prioritariamente
à violência sexual. Estes são os exemplos da brutal realidade brasileira com
que diariamente nos defrontamos. Realidade das humilhações diárias, das bananas
jogadas nos campos de futebol, das violentas revistas policiais; da aceitação -
e mesmo enaltecimento por parte da sociedade - de atos de barbárie, como o
acorrentamento de um jovem negro num poste de um bairro de classe média no Rio
de Janeiro, resultado do espraiamento de uma ideologia reacionária que entra em
ressonância com os apelos fascistas de “Bolsonaros”. É ela também que se
apresenta quando a UPP entra nas comunidades e extermina jovens e crianças, trabalhadoras
e trabalhadores negros, nas favelas e
periferias das cidades e campos brasileiros.
Contra esta
realidade, nossa resposta é continuar trilhando o caminho de luta e resistência
aberto por Zumbi dos Palmares e por outros heróis da libertação negra. E nós,
temos a certeza de que a luta dos negros se irmana com a luta de libertação da
classe trabalhadora e da juventude, resgate diário da utopia, da igualdade e da
fraternidade, que só será conquistada através de um novo modelo de sociedade.
Para tal, unificar as lutas, criar organismos de combates e resistência e abrir
os caminhos para construção de uma sociedade socialista, contra a barbárie
institucionalizada e materializada em terras brasileiras.
Valeu
Zumbi!!
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