sexta-feira, 21 de novembro de 2014

“Valeu Zumbi, Zumbi valeu!”



por Thiago Coqueiro
Negro e militante do Coletivo Marxista


Dia da consciência negra, dia de não perder a memória e construir a luta diária!





Valeu Zumbi! Este é o verso do lendário samba-enredo Kizomba, Festa da Raça, apresentado pela GRES Unidos de Vila Isabel em 1988, que ainda hoje ecoa entre nós quando se exalta a figura de Zumbi dos Palmares, ícone da luta dos negros contra o sistema escravista. No Dia da Consciência Negra é também importante exaltar outras lideranças como: Manoel do Congo e Mariana Crioula, que lideraram uma revolta dos negros em Valença em 1839, maior levante do Vale do Paraíba; Dandara, liderança do Quilombo dos Palmares; Maria Teresa de Benguela, liderança do Quilombo Quatiterê/MT; Negro Cosme, líder do exército negro da Balaiada; João Cândido, líder da Revolta da Chibata.

Devemos ainda lembrar que, em diversos lugares, houve a articulação das lutas com indígenas e trabalhadores não negros pelo fim da escravidão. Estes personagens demonstram que a história das lutas das negras e negros brasileiros é também a história da Luta de Classes, que demanda sempre dos trabalhadores a tarefa de se organizar para conquistar a tão sonhada liberdade. Não se deve esquecer que as várias greves dos trabalhadores, de diversos setores, também contribuíam para a fuga dos escravizados. Mais um exemplo da associação entre a luta pelo fim da escravidão com as lutas gerais da classe trabalhadora.

E, como sabemos, com a conquista do fim da escravidão, negros e a negras, aos poucos, foram incorporados ao trabalho assalariado, no qual a mercadoria deixa de ser o próprio corpo negro, passando a ser a força de trabalho. O desenvolvimento do sistema capitalista na periferia integrou esses trabalhadores na sua dinâmica moderna de acumulação e expropriação, mas os manteve nesse novo cativeiro em condições muito especiais.


Dados do DIEESE mostram que os trabalhadores negros ganham 36% menos que os não negros. A discriminação não se explicita apenas no mercado de trabalho. O negro no Brasil tem 3,7 mais chances de morrer de forma violenta. O 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que entre 2009 a 2013 o número de homicídios no país subiu de 44.518 para 53.646, dos quais 36.479 dos mortos são jovens negros. Anualmente, morrem 153,9% mais jovens negros do que brancos. Esta é a realidade de uma sociedade que segue ocultando e naturalizando o extermínio e assiste o genocídio da juventude negra.



Negras e negros sob o Capital

Engana-se, no entanto, quem pensa que os e as trabalhadoras negras aceitaram a “nova” forma de reprodução do capital com o fim da escravidão. Diversas formas de resistência e organização surgiram, como nos sindicatos, as Irmandades Negras, a Frente Negra Brasileira, entre outras. Tais movimentos colocavam e colocam em questão a exploração do homem pelo homem e o racismo. A luta jamais estancou, mesmo sujeita a momentos de ascensão e outros de refluxo. De qualquer forma, vale registrar que todos os ganhos dos negros são frutos de suas lutas, como a lei que criminaliza o racismo; o direito do território aos quilombolas (art.68 da constituição); a criação do decreto 4887/2003 que regulamenta as demarcações dos territórios quilombolas; as cotas nas universidades públicas, etc. Se por um lado esses avanços inscritos em forma de leis e decretos, obrigam o Estado a reconhecer pressões históricas do movimento negro, por outro, o aprofundamento do neoliberalismo segue deteriorando as condições de vida dos trabalhadores. Assim, as sucessivas derrotas de toda a classe trabalhadora nas últimas décadas abriram espaço ao aumento da brutalidade policial, a maior violência do próprio oprimido sobre o oprimido, a criminalização dos movimentos sociais e o recrudescimento da guerra de extermínio à juventude das favelas.


A questão quilombola

A garantia dos territórios quilombolas foi inscrita, com muita luta contra o racismo e contra os latifundiários, na Constituição de 1988 (artigo 68), que afirma: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” No Governo Lula foi criado o Decreto 4887/2003, que transfere para o INCRA a responsabilidade de emitir os títulos dos territórios quilombolas, além de regulamentar o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Tal decreto foi comemorado pelos movimentos sociais como uma grande vitória, visto que agilizava o processo de demarcação. Mas seguindo sua trajetória de conciliações em nome do capital, o Governo Lula/PT cedeu à bancada ruralista, fazendo com que o decreto sofresse seis modificações que tornaram o procedimento mais moroso. Indisfarçavelmente, a verdadeira opção do governo federal foi pelo agronegócio e pela mineração. Em 2014, Dilma/PT liberou 24,1 bilhões para o financiamento da agricultura familiar (responsável por 80% do alimento consumido no Brasil) e 156 bilhões para o Agronegócio. O relatório do INCRA, de 2014, mostra que entre 2003-2014 foram abertos 1281 processos de titulação de territórios quilombolas, mas apenas 21 comunidades tiveram o seu titulo emitido! A conexão entre estes dois dados mostra o porquê da lentidão nas demarcações das terras quilombolas: a demora resulta no aumento de tensões entre os invasores (latifundiários) e os quilombolas, o que intensifica sobremaneira a violência no campo. As mortes no campo prosseguem, e o recente assassinato e esquartejamento do líder quilombola Artêmio Gusmão, no Alto Acará, no Pará, é, tragicamente, apenas mais um dos exemplos desta revoltante e cruel realidade. É preciso registrar que, até o momento, o governo não apresentou nenhuma resposta ao caso e para tantos outros assassinatos de lideres quilombolas e sindicalistas. Mesmo em meio a tanta calamidade, não se fala em intervenção direta do governo federal, que se mostrou tão útil e ágil para garantir lucros dos meganegócios, como os da Copa da Fifa!

Seguindo o curso da história, é preciso partir da certeza de que não é possível depositar nenhuma esperança no governo Dilma/PT, como fazem alguns dos nosso companheiros de luta, mas sim acreditar na força da nossa organização. Só ela nos permitirá continuar abrindo os caminhos de construção de uma sociedade livre da opressão. Nesta luta temos que seguir exemplos como o das comunidades quilombolas do Sapê do Norte/ES, que fizeram a investida para retomar uma área 9.500 hectares que pertence à comunidade invadida pela Aracruz, uma gigante do crime.


O genocídio da juventude negra

No dia 13 de Maio de 2014, completamos 126 anos da assinatura da abolição pela princesa Isabel, que "partira a corrente", corrente a que nos prendia, que tornava todos nós, negros e negras, escravizados e escravizadas. Tratava-se do reconhecimento de uma conquista, fruto de séculos de resistência ativa e passiva que tornou inviável a manutenção do cativeiro, e não um presente da monarquia no apagar das luzes. A corrente partiu, mas até hoje é ela que arrastamos quando, por exemplo, assassinam e somem com Amarildo Dias; arrastam e matam Claudia Silva Ferreira; predem Rafael Braga por portar produto de limpeza; matam com "bala achada" DG, Douglas da Silva e Edílson da Silva!




É ela que está presente na realidade brutal da mulher negra brasileira, usada como símbolo sexual, explorada duplamente no mercado de trabalho e submetida prioritariamente à violência sexual. Estes são os exemplos da brutal realidade brasileira com que diariamente nos defrontamos. Realidade das humilhações diárias, das bananas jogadas nos campos de futebol, das violentas revistas policiais; da aceitação - e mesmo enaltecimento por parte da sociedade - de atos de barbárie, como o acorrentamento de um jovem negro num poste de um bairro de classe média no Rio de Janeiro, resultado do espraiamento de uma ideologia reacionária que entra em ressonância com os apelos fascistas de “Bolsonaros”. É ela também que se apresenta quando a UPP entra nas comunidades e extermina jovens e crianças, trabalhadoras e trabalhadores negros, nas favelas e periferias das cidades e campos brasileiros.

Contra esta realidade, nossa resposta é continuar trilhando o caminho de luta e resistência aberto por Zumbi dos Palmares e por outros heróis da libertação negra. E nós, temos a certeza de que a luta dos negros se irmana com a luta de libertação da classe trabalhadora e da juventude, resgate diário da utopia, da igualdade e da fraternidade, que só será conquistada através de um novo modelo de sociedade. Para tal, unificar as lutas, criar organismos de combates e resistência e abrir os caminhos para construção de uma sociedade socialista, contra a barbárie institucionalizada e materializada em terras brasileiras.


 Valeu Zumbi!!







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