quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Eleições 2014: o debate estratégico como necessidade da esquerda brasileira

As eleições de 2014 acontecem num momento diferenciado da recente história política brasileira. A continuidade da crise da economia mundial, em que predomina a lógica disfuncional do capital fictício para a acumulação do capital total(1), impacta os países periféricos exigindo, mais do que nunca, a formulação e construção de uma real alternativa de poder anticapitalista.

Socialismo ou barbárie é uma afirmação clara e definitiva. Mediante a intensificação da lógica do capital fictício, torna-se cada vez mais distante o horizonte possível de uma conciliação de classes configurada em um Estado de Bem Estar Social requentado, ou suas formas brasileiras, denominadas por muitos de Terceira Via ou o “neodesenvolvimentismo petista”. Para que se mantenha e se amplie a acumulação capitalista em um momento de crise, atualmente, torna-se necessário um estado de barbárie generalizada. A violência torna-se condição sine qua non na sociabilidade capitalista em voga, expressando-se por meio das guerras, conflitos civis, ações repressivas de estado em diversas formas e do estado policialesco da dita ‘guerra ao tráfico’ que acarreta no genocídio da juventude negra localizada nas áreas mais pobres dos grandes centros.As recentes e constantes irrupções sociais deixam para nós, marxistas, a certeza da necessidade urgente da atuação de uma vanguarda comunista capacitada para formular uma agenda imediata de respostas a estes sinais tão precisos quanto desumanizadores. Urge, portanto, a construção deum projeto coletivo capaz de enfrentar a face mais violenta do capital, que é a do capital em crise.


Brasil e a ascensão dos movimentos de massa

Aqui no Brasil, a explosão dos movimentos de massa em junho e julho de 2013 marcou uma virada conjuntural que abriu um novo cenário político para o país. É certo que, carregadas de contradições e limites, as mobilizações não se mantiveram nas mesmas proporções, mas abriram um novo cenário que coloca as lutas de classe em um patamar superior ao anterior. Mesmo após o período de auge das manifestações de rua, ocorreram diversas greves e mobilizações, com destaque para os segmentos mais pauperizados da população, como aquela organizada nos movimentos pela moradia e também moradores de favelas e comunidades periféricas, que protestam contra a militarização de suas vidas e as violações cotidianas executadas pelo estado policialesco. Essas mobilizações foram duramente reprimidas pelo aparato jurídico-policial do Estado, deixando claro que o acirramento das lutas, assim como a repressão através do aparato repressivo do Estado, foram colocados num novo e superior patamar. E, sabemos, o moderno e violento aparato repressivo é o maior legado da Copa da Fifa, assim como do conjunto dos Megaeventos Esportivos, que, agora, com atuação permanente, mostra do que é capaz quando se dispõe a realizar com truculência a defesa direta dos interesses da classe dominante.
                                                                          
Como lições deste período recente é ainda preciso considerar e identificar o caráter espontâneo e a ideologia espontaneísta que qualificaram o renascente movimento de massas no Brasil. Algo que, como já registramos anteriormente(2), não poderia ser diferente devido às condições em que se desenvolveu, sobretudo por ter envolvido gerações que nunca haviam experimentado a luta política, filhas do pensamento único neoliberal e indiferentes, em grande parte, aos grandes marcos ideológicos do debate político brasileiro anterior à ascensão do governo petista. Resultado disso foi a transformação de pautas com conteúdos que claramente enfrentavam as políticas do capital em crise e, portanto, de caráter popular e antissistêmico, em respostas burguesas, institucionais e pautadas pelo moralismo de direita tão presentes nos movimentos “anticorrupção”. E, fato extremamente importante, é o descambar da negação da política burguesa para a negação generalizante da política, da formulação e, consequentemente, de qualquer alternativa estratégica.
                                                                      
Outro saldo negativo deste período é o delinear de uma cisão e estranhamento entre o (re)nascente movimento de massas e a esquerda que se organiza em partidos institucionais ou em organizações, sindicatos e movimentos sociais. Fica, como saldo final deste período, a identificação de que o movimento de massas se encontra disperso, órfão de uma perspectiva de classe que possa incidir no debate político geral e entregue a um culto individualista do espontaneísmo que nega os partidos em geral não como uma negação da política burguesa, mas como a negação da organização estratégica.

Importante ainda registrar que a falta de formação teórica e de compreensão do que é a democracia burguesa vêm abrindo espaço para formulações ocas que misturam “fascismo”, “ditadura” e outros termos de forma nada científica, dificultando a elaboração de uma prática política consciente e independente como resposta a este momento. É grave constatar que neste cenário que se abre depois de 2013 a esquerda socialista e revolucionária não tenha conseguido conformar um campo capaz de polarizar e politizar o movimento de massa. Mais ainda que, ao priorizar a autoconstrução e as tentativas artificiais de ‘dirigir’ o movimento sem que isso significasse seu desenvolvimento em forma e conteúdo, em detrimento da ação conjunta dos diversos segmentos da esquerda revolucionária, tenha sido incapaz de construir espaços efetivos de elaboração coletiva para criar respostas organizativas capazes de fazer face a este novo momento conjuntural.


O que fazer no cenário das eleições burguesas de 2014?

Responder esta pergunta é formular a tática mais eficiente para atuação de uma esquerda marxista num período de eleições burguesas. Momento em que, de uma certa forma, a população como um todo está mais sensível à discussão política. Acreditamos na necessidade de construção de um partido de quadros, a partir da concepção geral formulada por Lenin(3) e, neste sentido, desejamos uma intervenção a serviço da linha estratégica de formação de um proletariado em luta autônoma e independente da burguesia.
Usar ou não o parlamento e as eleições burguesas como prática militante revolucionaria é uma questão que permeia a história de lutas da classe trabalhadora. Não raro, em períodos eleitorais os defensores da priorização parlamentar empunham o “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, de Lênin, pinçando do livro trechos fragmentados que justificariam a participação parlamentar como princípio em qualquer contexto e desautorizariam outras táticas de intervenção no processo eleitoral.
 Do outro lado, Bordiga, hoje bem menos conhecido pelas novas gerações de militantes do que Lenin, é ainda revisitado especialmente no seu importante texto “Réplica a Lenin sobre o problema do abstencionismo, no II Congresso Mundial”(4)(5). Menos frequente, mas também uma leitura necessária, são as defesas das posições da auto-organização operária defendia por Anton Pannekoek(6).
 O que nos interessa, ao citar estas posições, não é mostrar erudição teórica, mas é registrar a polêmica em torno às formas de intervenção no processo eleitoral não pode ser tratada sem o devido aprofundamento, como o que constatamos na parcela da militância que abraça o movimentismo ou um espontaneísmo pautado por um imediatismo inconsequente.  


Posicionamento do Coletivo Marxista para as eleições de 2014

Partindo destes apontamentos e conscientes que de que o voto, numa sociedade dividida em classes, nunca será um exercício de igualdade política mas pode, em certas  conjunturas, representar um avanço organizativo e unificador da esquerdas a serviço da luta de classes, o Coletivo Marxista formula sua posição  frente as eleições de 2014.

O Coletivo Marxista não adota uma posição abstencionista, ou seja, não adota o voto nulo como princípio, e portanto, em cada período eleitoral avalia a conjuntura e, a partir dessa avaliação, elabora a tática mais adequada para sua participação nas eleições burguesas.

Neste sentido, mesmo reconhecendo os limites da democracia burguesa, repudiamos posições de voto nulo como negação da política e reprodução do discurso conservador de “não sustento parasitas”, “nenhum presta”, “políticos são todos iguais”, uma posição despolitizada e reacionária que difere em muito da legítima posição de voto nulo que pode ser adotada pela esquerda revolucionária.

Criticamos também as parcelas da esquerda que, ao defenderem o voto nulo como princípio, têm feito campanhas que irresponsavelmente fazem coro ao discurso de voto nulo despolitizado, igualando os partidos da esquerda aos partidos burgueses e, assim, fazendo coro ao reacionário antipartidarismo pela via moralista de deslegitimação da ação organizada, o que de nenhuma forma se aproxima das legítimas campanhas de voto nulo, como crítica revolucionária e defesa da organização autônoma da classe.

O Coletivo Marxista também se posiciona de forma contrária ao pragmatismo imediatista e oportunista de apoiar candidaturas de representação dos partidos burgueses que defendem causas pontuais e imediatas, que, sem um horizonte classista, muitas vezes reforçam o projeto socioeconômico burguês, em detrimento dos interesses mais gerais da classe trabalhadora, tais como candidatos que se apropriam de legítimas lutas de categorias de trabalhadores, como parte do peleguismo corporativo que persiste no seio das categorias em luta, e se apresentam de maneira paternalista como representantes dessas demandas por um viés de conciliação e acordos econômicos com os representantes da ordem.

 Cabe-nos, portanto, a partir de uma rigorosa avaliação de conjuntura, em cada eleição, apoiar uma candidatura de esquerda se essa expressar uma unificação real do campo da esquerda socialista, caso consiga polarizar o cenário político à esquerda e materializar a criação de organismos de lutas pautados em um programa de ação política unificado, ou, então, optar pelo voto nulo como forma de intervenção nesse processo, defendendo a organização autônoma do proletariado frente ao projeto de sociabilidade burguesa que tem como um de seus principais elementos legitimadores os princípios da democracia representativa.

Pautados por estes apontamentos identificamos na candidatura do companheiro Mauro Iasi, do PCB, com que estivemos irmanados em tantas lutas ao longo deste difícil período conjuntural, uma sinalização da defesa da estratégia e do lugar da política organizada e independente da classe trabalhadora, com a defesa do espaço das ruas como o real espaço de ação da classe trabalhadora. No entanto, esta candidatura não conseguiu se materializar como uma alternativa unificadora da esquerda organizada, e tem por vezes se tornado principalmente um instrumento de autoconstrução e consolidação de seu partido. Além disso, a campanha se torna algumas vezes essencialmente propagandista, tendo dificuldades de materializar as pautas e reivindicações em respostas concretas e plataformas de luta. Mais ainda, entendemos que a bandeira de “poder popular” aparece com uma formulação estratégica pouco definida, que pode conduzir a desvios no processo de construção da consciência da classe trabalhadora.

Neste cenário, acreditamos que o voto nulo é, nestas eleições, a posição mais correta para a defesa dos interesses dos trabalhadores, como uma reafirmação do caminho da luta organizada como o único capaz de garantir as transformações de que a classe necessita e a construção de uma outra sociedade. Acreditamos, também, que na atual conjuntura a defesa do voto nulo nesses termos é a melhor forma de intervir junto à consciência dos trabalhadores desconstruindo as ilusões na via institucional e denunciando o discurso da democracia burguesa, que estimula a passividade e o conformismo dos trabalhadores através do depósito de todas as suas esperanças de mudanças em um processo controlado pelo grande capital e determinado pelos interesses daqueles que financiam as grandes campanhas, transformadas em negócios. Neste momento em que há um descrédito crescente na institucionalidade (muitas vezes capturado e orientado para a direita, como apontamos acima), acreditamos na necessidade de intervenção politizada junto a esse sentimento de repúdio às instituições, que reage a algo concreto ainda de forma difusa e sem uma perspectiva classista.

Acreditamos, ainda, que o voto nulo sinaliza a necessidade da unificação da esquerda combativa, pautada num programa de ação unitário e na criação de organismos de discussão entre as diversas organizações da esquerda revolucionária que realmente se materializem em intervenções políticas capazes de polarizar o cenário político do país, sem que incorramos nos velhos vícios da autoconstrução em detrimento da construção de um movimento pautado pelos interesses mais amplos da classe trabalhadora.

 O voto nulo defendido pelo Coletivo Marxista expressa sua crítica à recorrente postura da esquerda hegemônica que insiste em priorizar sua autoconstrução e formular propostas de “unidade” impositivas construídas em acordos supraestruturais e no pragmatismo dirigista, que determina a unidade pela conquista do espaço imediato e não pela constituição de um campo orgânico. Nosso Voto Nulo, então, se torna um chamamento à necessária criação de alternativas organizativas unificadoras e, portanto, expressa um combate ao antipartidarismo e ao espontaneísmo.

Historicamente, quando defendemos o Voto Nulo, adotamos a palavra de ordem: Vote Nulo, pela criação de um Partido Revolucionário. Pretendemos assim deixar claro a defesa de uma posição sustentada na construção de uma opção organizada da classe trabalhadora e não na radicalidade movimentista, que se coloca contra qualquer forma de organização estratégica e ação coletiva da classe trabalhadora. Desta forma, muito mais do que denunciar o processo eleitoral burguês, colocamos como prioridade a criação de um proposta organizativa unificadora.

Nosso voto nulo pretende, assim, defender a necessidade urgente de contraposição ao reformismo e ao movimentismo, caminhos ilusórios e incapazes de responder às necessidades concretas da classe na construção de seu projeto histórico. Pretendemos que o voto nulo expresse a prioridade da organização da classe trabalhadora para que ela assuma seu papel fundamental como sujeito político e ideologicamente organizado das transformações sociais.


Vote Nulo! Pela Criação de um Partido Revolucionário e Pela Unificação da Esquerda Combativa!


1-Crise econômica atual e seus impactos para a organização da classe trabalhadora – Marcelo Dias Carcanholo-AURORA –ano IV-número 6–AGOSTO de 2010
3-Lenin- Fundação da Internacional – apud  Partido, Vanguarda e Classe – Erich Sachs
5- https://www.marxists.org/portugues/bordiga/ano/mes/eleicoes.htm


2 comentários:

Poeta Operario disse...

Esperava mais companheiros! Acho importante e sugiro, com toda fraternidade, que os companheiros façam uma rigorosa avaliação da Restauração do Capitalismo nos ex-estados operários e da derrubada das ditaduras stalinistas, o que é um vácuo teórico no programa de vocês e leva os companheiros a errarem nas caracterizações, e portanto, na politica. Alem disso, é importante fazer um esforço de avaliar o quanto o CM foi atingido pelo "Vendaval oportunista", consequência dos fatos históricos acima citados, porque definições como "dirigismo" não parece está no arcabouço teorico-politico da tradição marxista, mas me parece um elemento ideológico forte, fruto do pós-modernismo, que se enraizou em parte da esquerda.

Sobre o método, dizem que a posição é apenas uma tática, porem essa tática foi adotada sistematicamente desde as eleições de 2002, sendo que em apenas um processo eleitoral tiveram posição diferente; mais a citação de Bordiga; creio que por mais que os companheiros apontem como tática, a pratica da organização é de ter uma "tática permanente", e sendo permanente companheiros, deixa de ser tática e passa a ser estrategia, o que é um equivoco grosseiro do marxismo!

Sobre o flerte com o PCB e sequer tocar na candidatura de Zé Maria, os companheiros tem orgulho em apontar a POLOP como sua tradição politica, e, em inúmeros documentos apontam a saída com uma politica operaria. Camaradas se é isso mesmo, a tática mais correta era apoiar, mesmo que de forma critica a candidatura do PSTU, pois é a unica que possui um eixo central na classe operaria e com um programa de ruptura com o capital. Me parece que a inserção social da organização dos companheiros por ser exclusivamente em setores médios da sociedade sofre uma pressão de classe, e por não terem nenhuma inserção na classe operaria são levados por essa pressão, seria muito importante que os companheiros fizessem uma reflexão sobre esse elemento que é fundamental para a construção do Partido Revolucionário no país e no mundo!

Com fraternidade e sinceridade, um grande abraço aos companheiros! Nos vemos nas lutas!

Luiz Carlos Machado

BRUNO SANTOS disse...

Achei bastante madura a opinião dos camaradas do Coletivo Marxista em se colocar em todo momento ao lado dos trabalhadores por uma alternativa revolucionária, que incorre em não só negar a democracia burguesa como em ter como horizonte a construção de uma organização classista nacional em vez e achar que agora está na hora de eleger um deputado do pstu como tática (ou estratégia) para o avanço da consciência dos trabalhadores, como escreveu Valério Arcary no site do partido.
Saudações socialistas!

Bruno Bolinho
Militante do Espaço Socialista
(e ex-militante do "Além do Mito...")