As
eleições de 2014 acontecem num momento diferenciado da recente história
política brasileira. A continuidade da crise da economia mundial, em que
predomina a lógica disfuncional do capital fictício para a acumulação do
capital total(1), impacta os países periféricos exigindo, mais do
que nunca, a formulação e construção de uma real alternativa de poder
anticapitalista.
Socialismo
ou barbárie é uma afirmação clara e definitiva. Mediante a intensificação da
lógica do capital fictício, torna-se cada vez mais distante o horizonte
possível de uma conciliação de classes configurada em um Estado de Bem Estar
Social requentado, ou suas formas brasileiras, denominadas por muitos de
Terceira Via ou o “neodesenvolvimentismo petista”. Para que se mantenha e se
amplie a acumulação capitalista em um momento de crise, atualmente, torna-se
necessário um estado de barbárie generalizada. A violência torna-se condição sine
qua non na sociabilidade capitalista em voga, expressando-se por meio
das guerras, conflitos civis, ações repressivas de estado em diversas formas e
do estado policialesco da dita ‘guerra ao tráfico’ que acarreta no genocídio da
juventude negra localizada nas áreas mais pobres dos grandes centros.As
recentes e constantes irrupções sociais deixam para nós, marxistas, a certeza
da necessidade urgente da atuação de uma vanguarda comunista capacitada para
formular uma agenda imediata de respostas a estes sinais tão precisos quanto
desumanizadores. Urge, portanto, a construção deum projeto coletivo capaz de enfrentar
a face mais violenta do capital, que é a do capital em crise.
Brasil e
a ascensão dos movimentos de massa
Aqui no
Brasil, a explosão dos movimentos de massa em junho e julho de 2013 marcou uma
virada conjuntural que abriu um novo cenário político para o país. É certo que,
carregadas de contradições e limites, as mobilizações não se mantiveram nas
mesmas proporções, mas abriram um novo cenário que coloca as lutas de classe em
um patamar superior ao anterior. Mesmo após o período de auge das manifestações
de rua, ocorreram diversas greves e mobilizações, com destaque para os
segmentos mais pauperizados da população, como aquela organizada nos movimentos
pela moradia e também moradores de favelas e comunidades periféricas, que
protestam contra a militarização de suas vidas e as violações cotidianas
executadas pelo estado policialesco. Essas mobilizações foram duramente
reprimidas pelo aparato jurídico-policial do Estado, deixando claro que o
acirramento das lutas, assim como a repressão através do aparato repressivo do
Estado, foram colocados num novo e superior patamar. E, sabemos, o moderno e
violento aparato repressivo é o maior legado da Copa da Fifa, assim como do
conjunto dos Megaeventos Esportivos, que, agora, com atuação permanente, mostra
do que é capaz quando se dispõe a realizar com truculência a defesa direta dos
interesses da classe dominante.
Como
lições deste período recente é ainda preciso considerar e identificar o caráter
espontâneo e a ideologia espontaneísta que qualificaram o renascente movimento
de massas no Brasil. Algo que, como já registramos anteriormente(2),
não poderia ser diferente devido às condições em que se desenvolveu, sobretudo
por ter envolvido gerações que nunca haviam experimentado a luta política,
filhas do pensamento único neoliberal e indiferentes, em grande parte, aos
grandes marcos ideológicos do debate político brasileiro anterior à ascensão do
governo petista. Resultado disso foi a transformação de pautas com conteúdos
que claramente enfrentavam as políticas do capital em crise e, portanto, de
caráter popular e antissistêmico, em respostas burguesas, institucionais e
pautadas pelo moralismo de direita tão presentes nos movimentos “anticorrupção”.
E, fato extremamente importante, é o descambar da negação da política burguesa
para a negação generalizante da política, da formulação e, consequentemente, de
qualquer alternativa estratégica.
Outro
saldo negativo deste período é o delinear de uma cisão e estranhamento entre o
(re)nascente movimento de massas e a esquerda que se organiza em partidos
institucionais ou em organizações, sindicatos e movimentos sociais. Fica, como saldo
final deste período, a identificação de que o movimento de massas se encontra
disperso, órfão de uma perspectiva de classe que possa incidir no debate
político geral e entregue a um culto individualista do espontaneísmo que nega
os partidos em geral não como uma negação da política burguesa, mas como a
negação da organização estratégica.
Importante
ainda registrar que a falta de formação teórica e de compreensão do que é a
democracia burguesa vêm abrindo espaço para formulações ocas que misturam “fascismo”,
“ditadura” e outros termos de forma nada científica, dificultando a elaboração
de uma prática política consciente e independente como resposta a este momento.
É grave constatar que neste cenário que se abre depois de 2013 a esquerda
socialista e revolucionária não tenha conseguido conformar um campo capaz de
polarizar e politizar o movimento de massa. Mais ainda que, ao priorizar a
autoconstrução e as tentativas artificiais de ‘dirigir’ o movimento sem que
isso significasse seu desenvolvimento em forma e conteúdo, em detrimento da
ação conjunta dos diversos segmentos da esquerda revolucionária, tenha sido
incapaz de construir espaços efetivos de elaboração coletiva para criar
respostas organizativas capazes de fazer face a este novo momento conjuntural.
O que
fazer no cenário das eleições burguesas de 2014?
Responder
esta pergunta é formular a tática mais eficiente para atuação de uma esquerda
marxista num período de eleições burguesas. Momento em que, de uma certa forma,
a população como um todo está mais sensível à discussão política. Acreditamos
na necessidade de construção de um partido de quadros, a partir da concepção
geral formulada por Lenin(3) e, neste sentido, desejamos
uma intervenção a serviço da linha estratégica de formação de um proletariado
em luta autônoma e independente da burguesia.
Usar ou não
o parlamento e as eleições burguesas como prática militante revolucionaria é
uma questão que permeia a história de lutas da classe trabalhadora. Não raro,
em períodos eleitorais os defensores da priorização parlamentar empunham o
“Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, de Lênin, pinçando do livro
trechos fragmentados que justificariam a participação parlamentar como
princípio em qualquer contexto e desautorizariam outras táticas de intervenção
no processo eleitoral.
Do
outro lado, Bordiga, hoje bem menos conhecido pelas novas gerações de
militantes do que Lenin, é ainda revisitado especialmente no seu importante
texto “Réplica a Lenin sobre o problema do abstencionismo, no II Congresso
Mundial”(4)(5). Menos frequente, mas também uma leitura necessária,
são as defesas das posições da auto-organização operária defendia por Anton
Pannekoek(6).
O
que nos interessa, ao citar estas posições, não é mostrar erudição teórica, mas
é registrar a polêmica em torno às formas de intervenção no processo eleitoral
não pode ser tratada sem o devido aprofundamento, como o que constatamos na
parcela da militância que abraça o movimentismo ou um espontaneísmo pautado por
um imediatismo inconsequente.
Posicionamento
do Coletivo Marxista para as eleições de 2014
Partindo
destes apontamentos e conscientes que de que o voto, numa sociedade dividida em
classes, nunca será um exercício de igualdade política mas pode, em
certas conjunturas, representar um avanço organizativo e unificador da
esquerdas a serviço da luta de classes, o Coletivo Marxista formula sua
posição frente as eleições de 2014.
O
Coletivo Marxista não adota uma posição abstencionista, ou seja, não adota o
voto nulo como princípio, e portanto, em cada período eleitoral avalia a
conjuntura e, a partir dessa avaliação, elabora a tática mais adequada para sua
participação nas eleições burguesas.
Neste
sentido, mesmo reconhecendo os limites da democracia burguesa, repudiamos
posições de voto nulo como negação da política e reprodução do discurso
conservador de “não sustento parasitas”, “nenhum presta”, “políticos são todos
iguais”, uma posição despolitizada e reacionária que difere em muito da
legítima posição de voto nulo que pode ser adotada pela esquerda
revolucionária.
Criticamos
também as parcelas da esquerda que, ao defenderem o voto nulo como princípio,
têm feito campanhas que irresponsavelmente fazem coro ao discurso de voto nulo
despolitizado, igualando os partidos da esquerda aos partidos burgueses e,
assim, fazendo coro ao reacionário antipartidarismo pela via moralista de
deslegitimação da ação organizada, o que de nenhuma forma se aproxima das
legítimas campanhas de voto nulo, como crítica revolucionária e defesa da
organização autônoma da classe.
O
Coletivo Marxista também se posiciona de forma contrária ao pragmatismo
imediatista e oportunista de apoiar candidaturas de representação dos partidos
burgueses que defendem causas pontuais e imediatas, que, sem um horizonte
classista, muitas vezes reforçam o projeto socioeconômico burguês, em
detrimento dos interesses mais gerais da classe trabalhadora, tais como
candidatos que se apropriam de legítimas lutas de categorias de trabalhadores,
como parte do peleguismo corporativo que persiste no seio das categorias em
luta, e se apresentam de maneira paternalista como representantes dessas
demandas por um viés de conciliação e acordos econômicos com os representantes
da ordem.
Cabe-nos,
portanto, a partir de uma rigorosa avaliação de conjuntura, em
cada eleição, apoiar uma candidatura de esquerda se essa expressar uma
unificação real do campo da esquerda socialista, caso consiga polarizar
o cenário político à esquerda e materializar a criação de organismos
de lutas pautados em um programa de ação política unificado, ou, então, optar
pelo voto nulo como forma de intervenção nesse processo, defendendo a
organização autônoma do proletariado frente ao projeto de sociabilidade
burguesa que tem como um de seus principais elementos legitimadores os princípios
da democracia representativa.
Pautados
por estes apontamentos identificamos na candidatura do companheiro Mauro Iasi,
do PCB, com que estivemos irmanados em tantas lutas ao longo deste difícil
período conjuntural, uma sinalização da defesa da estratégia e do lugar da
política organizada e independente da classe trabalhadora, com a defesa do
espaço das ruas como o real espaço de ação da classe trabalhadora. No entanto,
esta candidatura não conseguiu se materializar como uma alternativa unificadora
da esquerda organizada, e tem por vezes se tornado principalmente um
instrumento de autoconstrução e consolidação de seu partido. Além disso, a
campanha se torna algumas vezes essencialmente propagandista, tendo
dificuldades de materializar as pautas e reivindicações em respostas concretas
e plataformas de luta. Mais ainda, entendemos que a bandeira de “poder popular”
aparece com uma formulação estratégica pouco definida, que pode conduzir a
desvios no processo de construção da consciência da classe trabalhadora.
Neste
cenário, acreditamos que o voto nulo é, nestas eleições, a posição mais correta
para a defesa dos interesses dos trabalhadores, como uma reafirmação do caminho
da luta organizada como o único capaz de garantir as transformações de que a
classe necessita e a construção de uma outra sociedade. Acreditamos, também,
que na atual conjuntura a defesa do voto nulo nesses termos é a melhor forma de
intervir junto à consciência dos trabalhadores desconstruindo as ilusões na via
institucional e denunciando o discurso da democracia burguesa, que estimula a
passividade e o conformismo dos trabalhadores através do depósito de todas as
suas esperanças de mudanças em um processo controlado pelo grande capital e
determinado pelos interesses daqueles que financiam as grandes campanhas,
transformadas em negócios. Neste momento em que há um descrédito crescente na
institucionalidade (muitas vezes capturado e orientado para a direita, como
apontamos acima), acreditamos na necessidade de intervenção politizada junto a
esse sentimento de repúdio às instituições, que reage a algo concreto ainda de
forma difusa e sem uma perspectiva classista.
Acreditamos,
ainda, que o voto nulo sinaliza a necessidade da unificação da esquerda
combativa, pautada num programa de ação unitário e na criação de organismos de
discussão entre as diversas organizações da esquerda revolucionária que
realmente se materializem em intervenções políticas capazes de polarizar o
cenário político do país, sem que incorramos nos velhos vícios da autoconstrução
em detrimento da construção de um movimento pautado pelos interesses mais
amplos da classe trabalhadora.
O
voto nulo defendido pelo Coletivo Marxista expressa sua crítica à recorrente
postura da esquerda hegemônica que insiste em priorizar sua autoconstrução e
formular propostas de “unidade” impositivas construídas em acordos
supraestruturais e no pragmatismo dirigista, que determina a unidade pela
conquista do espaço imediato e não pela constituição de um campo orgânico.
Nosso Voto Nulo, então, se torna um chamamento à necessária criação de
alternativas organizativas unificadoras e, portanto, expressa um combate ao
antipartidarismo e ao espontaneísmo.
Historicamente,
quando defendemos o Voto Nulo, adotamos a palavra de ordem: Vote Nulo, pela
criação de um Partido Revolucionário. Pretendemos assim deixar claro a defesa
de uma posição sustentada na construção de uma opção organizada da classe
trabalhadora e não na radicalidade movimentista, que se coloca contra qualquer
forma de organização estratégica e ação coletiva da classe trabalhadora. Desta
forma, muito mais do que denunciar o processo eleitoral burguês, colocamos como
prioridade a criação de um proposta organizativa unificadora.
Nosso
voto nulo pretende, assim, defender a necessidade urgente de contraposição ao
reformismo e ao movimentismo, caminhos ilusórios e incapazes de responder às
necessidades concretas da classe na construção de seu projeto histórico.
Pretendemos que o voto nulo expresse a prioridade da organização da classe
trabalhadora para que ela assuma seu papel fundamental como sujeito político e
ideologicamente organizado das transformações sociais.
Vote
Nulo! Pela Criação de um Partido Revolucionário e Pela Unificação da Esquerda
Combativa!
1-Crise
econômica atual e seus impactos para a organização da classe trabalhadora –
Marcelo Dias Carcanholo-AURORA –ano IV-número 6–AGOSTO de 2010
3-Lenin-
Fundação da Internacional – apud Partido, Vanguarda e Classe – Erich
Sachs
5- https://www.marxists.org/portugues/bordiga/ano/mes/eleicoes.htm
2 comentários:
Esperava mais companheiros! Acho importante e sugiro, com toda fraternidade, que os companheiros façam uma rigorosa avaliação da Restauração do Capitalismo nos ex-estados operários e da derrubada das ditaduras stalinistas, o que é um vácuo teórico no programa de vocês e leva os companheiros a errarem nas caracterizações, e portanto, na politica. Alem disso, é importante fazer um esforço de avaliar o quanto o CM foi atingido pelo "Vendaval oportunista", consequência dos fatos históricos acima citados, porque definições como "dirigismo" não parece está no arcabouço teorico-politico da tradição marxista, mas me parece um elemento ideológico forte, fruto do pós-modernismo, que se enraizou em parte da esquerda.
Sobre o método, dizem que a posição é apenas uma tática, porem essa tática foi adotada sistematicamente desde as eleições de 2002, sendo que em apenas um processo eleitoral tiveram posição diferente; mais a citação de Bordiga; creio que por mais que os companheiros apontem como tática, a pratica da organização é de ter uma "tática permanente", e sendo permanente companheiros, deixa de ser tática e passa a ser estrategia, o que é um equivoco grosseiro do marxismo!
Sobre o flerte com o PCB e sequer tocar na candidatura de Zé Maria, os companheiros tem orgulho em apontar a POLOP como sua tradição politica, e, em inúmeros documentos apontam a saída com uma politica operaria. Camaradas se é isso mesmo, a tática mais correta era apoiar, mesmo que de forma critica a candidatura do PSTU, pois é a unica que possui um eixo central na classe operaria e com um programa de ruptura com o capital. Me parece que a inserção social da organização dos companheiros por ser exclusivamente em setores médios da sociedade sofre uma pressão de classe, e por não terem nenhuma inserção na classe operaria são levados por essa pressão, seria muito importante que os companheiros fizessem uma reflexão sobre esse elemento que é fundamental para a construção do Partido Revolucionário no país e no mundo!
Com fraternidade e sinceridade, um grande abraço aos companheiros! Nos vemos nas lutas!
Luiz Carlos Machado
Achei bastante madura a opinião dos camaradas do Coletivo Marxista em se colocar em todo momento ao lado dos trabalhadores por uma alternativa revolucionária, que incorre em não só negar a democracia burguesa como em ter como horizonte a construção de uma organização classista nacional em vez e achar que agora está na hora de eleger um deputado do pstu como tática (ou estratégia) para o avanço da consciência dos trabalhadores, como escreveu Valério Arcary no site do partido.
Saudações socialistas!
Bruno Bolinho
Militante do Espaço Socialista
(e ex-militante do "Além do Mito...")
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