Nas últimas semanas, o aprofundamento da crise
política no país trouxe importantes inflexões para a conjuntura: o
fortalecimento do campo pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff foi
sustentado por uma ofensiva da extrema-direita brasileira, marcada por uma
virulenta campanha midiática, demonstrações de ódio e do mais raivoso
anticomunismo nas ruas – muito ampliado a partir das manifestações do dia 13 e
estendendo-se pelos dias seguintes – e profundas violações de direitos
exercidas pelo poder judiciário, convertido em escancarado agente político dos
interesses da parcela da burguesia que quer derrubar o governo petista.
As frágeis garantias do Estado Democrático de
Direito – como sabemos, um instrumento de classe e funcional à dominação
burguesa em sua ditadura velada e diretamente exercida sobre os grupos
subalternos –, conquistadas pelas históricas lutas dos trabalhadores e
trabalhadoras, foram sistematicamente violadas indicando uma escalada de
arbitrariedades e autoritarismo que não nos é indiferente. Afinal, como também
sabemos, as diferentes formas assumidas pela burguesia em sua dominação
estabelecem condições qualitativamente diferenciadas para as lutas de classe.
Cotidianamente denunciamos e nos enfrentamos com as violações sistemáticas que
esse mesmo Estado Democrático de Direito impõe à população negra e pobre nas
periferias, aos trabalhadores do campo, indígenas, quilombolas e aos movimentos
sociais – e uma escalada de violações institucionalizadas, festejadas pela
grande mídia e sustentadas pela ideologia de extrema direita que cresce no país
nos abre um cenário que nos deixa em condições ainda mais desfavoráveis.
Não há dúvidas de que o cenário de acirramento
da crise do capitalismo em escala mundial provocou o encerramento do ciclo
virtuoso da economia que sustentou os governos petistas e seu “pacto social”.
Para a burguesia, a exigência é de uma feroz guinada para a implementação do
ajuste, com políticas neoliberais ainda mais recessivas e, como temos
assistido, cortes de direitos para a classe trabalhadora. É como se o PT já tivesse
cumprido seu papel acessório para a burguesia e, agora, pudesse ser descartado
– processo cristalizado pela posição simbólica da Fiesp, que se desloca da base
de apoio do governo para tornar-se um dos mais importantes agitadores e
articuladores do impeachment.
Feita esta primeira e básica caracterização, é
preciso ressaltar a urgente necessidade
de formular e sustentar uma posição tática adequada ao momento, às inflexões
conjunturais e capaz de orientar nossas lutas de forma consequente nesse importante
cenário. O debate tático passa, de nosso ponto de vista, pela capacidade de
identificar a extensão e a gravidade do momento que se abre com a ofensiva da
extrema direita sobre um governo com as especificidades do petista: um governo
de direita, que implementou políticas social-liberais, comprometido com as
dinâmicas do poder burguês e que conta com simbolismo de esquerda e forte
sustentação nos movimentos sociais do país. Acreditamos que não há, e essa é
uma caracterização indispensável para tal tarefa, a ameaça de um golpe de
Estado que altere o regime e substitua a democracia burguesa por uma ditadura
aberta, de caráter fascista ou militar. Isso é fundamental porque, caso fosse
essa a avaliação, a necessidade de uma resposta política anti-fascista com
ampla unidade de ação em oposição ao golpe seria obrigatória.
Se
Dilma cai, quem a derruba? Uma pergunta fundamental
Acreditamos que há, através do impeachment, a
ameaça do que poderíamos chamar de um “golpe de governo” que não alteraria o
regime democrático burguês, em um processo elaborado a partir de violações,
intensificando as rupturas de direitos, do exercício de abusos permanentes pelo
poder judiciário e conduzido por um parlamento comprometido e pelo presidente
da Câmara de Deputados, que, esse sim, é réu em processos de julgamento da
corrupção. É preciso ter claro, a partir daí, que o processo de impeachment
está longe – mais precisamente, na direção oposta – de significar uma derrubada
política do governo Dilma pela classe trabalhadora em lutas sociais e por seu
projeto.
Isso não nos é indiferente: a queda do governo
Dilma, nessas condições, seria uma queda operada por uma extrema direita a
partir de um processo que fortalece esse setor, legitima as violações cometidas
e joga fora as garantias conquistadas pela classe trabalhadora, fortalecendo também a base de sustentação ideologicamente
proto-fascista desse setor e instaurando um clima de vitória do sentimento
político que, ao se voltar contra o PT, se volta contra a esquerda a partir do
ódio aos movimentos sociais, aos pobres e às lutas sociais. Objetivamente, o
cenário permite um fortalecimento do campo que, como dissemos, busca aprofundar
de maneira ainda mais agressiva o ajuste fiscal, os ataques sobre os direitos
dos trabalhadores e responder à crise econômica pela perspectiva burguesa.
Seria um novo governo como que chancelado para fazer justamente isso,
sustentado pelos meios de comunicação, festejado por importantes frações
burguesas e exaltado por uma triunfante extrema-direita raivosa.
Ao mesmo tempo, o governo busca se apoiar na
vaga ideia de um “golpe”, sem qualificá-lo e utilizando da memória social do
período da ditadura militar, para orientar uma política de abstrata e genérica
“defesa da democracia” que, sem caracterizações, se transforma numa estéril
repetição do carcomido simbolismo à esquerda de um governo indefensável e
irremediavelmente comprometido com os interesses dominantes, em grande parte
responsável pela atual situação e pela fragmentação que atingiu duramente a
classe trabalhadora na última década. A chamada metamorfose do PT, sabemos, não
é uma experiência isolada, mas a trajetória irremediável de seu projeto de
conciliação, que exige a superação dessa estratégia e suas ilusões como tarefa
inadiável para a construção de um campo de luta autônomo e capaz de enfrentar a
dura conjuntura que se impõe.
Nesse cenário de profunda confusão ideológica e
ausência de referências, cresce ainda uma onda autonomista que cala fundo numa
juventude precarizada ou desempregada, sem perspectivas de vida e que não faz
distinção entre partidos tradicionais e partidos e organizações de esquerda
gestando, como reposta imediata, o antagonismo com partidos de forma
transversal e indiferenciada – processo aproveitado e estimulado pelo
proto-fascismo e seu conhecido ódio a partidos.
Precisamos
de uma frente de esquerda autônoma, contra o impeachment e contra o ajuste, que
nos arme para as lutas!
Diante deste cenário, é indispensável construirmos
um campo político capaz de se transformar em um vetor de intervenção na
conjuntura, com mobilização nas organizações de classe, movimentos sociais,
locais de trabalho e moradia. A esquerda anti-governista tem, ainda, se mantido
acuada, paralisada e incapaz de responder a essas tarefas. Precisamos estar orientados
por um eixo geral de enfrentamento aos abusos odiosos e autoritários, o
respeito às básicas conquistas de garantias democráticas e a denúncia das
violações em curso sem cair na armadilha da defesa abstrata “da democracia” que
se torna funcional à reprodução do ciclo que precisamos superar historicamente.
O que queremos é a defesa da classe
trabalhadora e da juventude, dos desempregados, dos aposentados, trabalhadores
do campo, indígenas, quilombolas, dos setores oprimidos pela estrutura racista,
homofóbica e patriarcal do capitalismo brasileiro. Nossa política tem lado e
isso é fundamental. E essa luta passa pela defesa dos nossos direitos
elementares contra o ajuste econômico e contra os ataques em curso operados
pelo governo de Dilma em consonância com a agenda do capital para a crise. Sem
isso, estaremos fadados à reprodução de um ciclo vicioso que nos torna
incapazes de dar respostas ao duro momento de ataques exigido pela crise
econômica do capital.
O chamado por uma frente de esquerda adquire uma
absoluta materialidade e centralidade para nos retirar da defensiva nesse
momento,o que não pode ser uma abstração e exige a avaliação das experiências
passadas, que já fazem parte da nossa recente historia politica. Muitas frentes
foram criadas e gestadas a partir de acordos superestruturais, sem construção
pela base e sem a elaboração de um programa que nos permitisse a coletiva
formulação da unidade de ação e seus marcos. É preciso que neste grave momento
conjuntural não se repitam estes erros graves e que se construa uma frente a
partir de acordos básicos, o que exclui qualquer flerte – declarado ou
envergonhado – com a irresponsável linha do Fora Dilma/pró-impeachment. Neste
sentido nada mais errado do que iniciar nossa presença nas ruas nesse momento
chamando um ato no dia 1 de abril – data que tão fundo cala em todo a esquerda
combativa – com a delirante palavra de ordem do Fora Todos e por eleições gerais,
lamentavelmente aprovada pela central sindical que ajudamos a fundar, a
CSP-Conlutas.
No Rio de Janeiro, nos somamos à convocação da Plenária por uma Frente
de Esquerda na UERJ, no dia 23/3, às 17h, esperando que consigamos juntos
superar os enormes desafios colocados por essa conjuntura, em defesa da classe
trabalhadora e seus direitos!